Cinco poemas de Nilton de Q
Nilton de Q é natural da Ilha de Santa Catarina, graduado em Letras pela UFSC. Teve poemas editados em antologias eletrônicas do Concurso de Poemas da UFSJ 2018 e 14º Prêmio Escriba de Poesia. É autor de Anacronia Errática, livro de poemas, selecionado em chamada aberta às capitais da região sul do país pela Editora Urutau, não publicado por forças das circunstâncias. Apesar do completo anonimato nos meios literários, continua a escrever porque sente que essa é uma coceira que precisa ser coçada.
***
(do engavetado “mapa impreciso para lugar nenhum”)
geologia ao bom fim
agora é breve
porque falta pouco
menos para o fim
e as faltas vão
enchendo o oco
dos sonhos acordados no meio
a matéria diz
o tempo que demora
esse instante
uma inércia veloz
que amansa lentamente
amanheceu e já
era ontem tive sede
levantei para beber água (e nunca houve aquela fonte)
perdi o lugar: mundo muda muito
ando morto modo mudo
*
litoral
quero trocar a memória ram
pela memória mar
e suas vagas
quero a memória-vaga
porque a onda apaga
minhas vagas pegadas
registradas na areia indiscreta
da praia
a lambança das lembranças
lambidas pelas ondas quebradiças
amolecem a rigidez do disco
um cisco faz marejar
o olho sensível
da placa
*
portbou (a lágrima e o mar)
o suicídio do homem
para o qual o suicídio
não compensa cometer
é a máxima expressão
do caráter destrutivo
:
abriu-se o espaço
caminhos do gesto
no calor tardio
do tempo rarefeito
aquilo não foi uma lágrima
foi um mar
foi um jeito
*
(do não publicado “anacronia errática”)
Janelas
Janela aberta;
cortina
etc.
O poema é uma loja
que entrei
sem nunca ter entrado.
Emprestei as palavras,
pilhei
mudo. Devo calado.
Janela indiscreta;
cortina
aberta.
O poema é um filme
que assisti
tateando meu ser vendado.
Decifrei os enigmas;
ainda
assim, fui devorado.
Janela incerta;
abertura
que versa.
O poema é uma vista de uma
vereda
obscura, intrincada.
Adentrei labirintos
sem nunca
ter amarrado o fio à entrada.
*
Quilo ou à la carte?
Espero, desespero.
Viver sempre um passo a frente
do desmoronamento.
Ainda tenho um endereço
para me achar no mundo;
apesar de a minha casa morar em mim.
Ainda tenho certo apreço
pelas coisas sem fundo;
apesar das nuvens.
Tardo, retardo.
Conviver com as falhas
nos acréscimos.
Repouso na distração descuidada
do sono distante;
apesar de o sonho acordar em mim.
Esboço o plano com o final rasurado
no guardanapo do restaurante;
apesar das chuvas.
Peço, despeço
-me.