Cinco poemas de Nina Maria
Nina Maria é natural do interior da Bahia. Tem 21 anos. É poeta, escritora, geminiana, feminista, lésbica e editora da revista e site Ruído Manifesto. Graduanda em letras com língua francesa – UEFS e amante da filosofia. É autora dos livros A flor da Pele (Editora UEFS – 2019), Ela – Poemas e Cartas de amor (Independente – 2020), Há nove luas em mim (Editora Pedregulho – 2020) e Eu vendaval Eu furacão (Editora Pedregulho – 2021). Possui a poesia como essência e guia de vida, escreve para não morrer e dar sentido ao universo do qual vive. Sua poesia existe e resiste de maneira à flor da pele, presente em algumas antologias nacionais e internacionais. É membro do grupo Mulherio das letras Brasil, Bahia, Nordeste, Portugal, Itália e Europa.
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Lésbica sim
Releitura do poema: Me gritaram negra, poema de Victoria Santa Cruz.
Tinha apenas quatorze anos,
apenas quatorze,
sim, quatorze anos
e já me reconhecia,
e me entendia.
Eu, sempre senhora de mim mesma
olhando-me ao espelho
pegava-me imaginando,
sonhando,
querendo,
a companhia, os (a)braços de uma mulher.
Foi quando me gritaram SAPATONA,
SAPATÃO,
LÉSBICA
“Sapatona? Lésbica?” – perguntei
Sim!
“Mas, qual o problema?”
VERGONHA,
NOJO,
DESPERDÍCIO,
HUMILHAÇÃO,
PECADO,
ABERRAÇÃO
E eu não entendia, sem saber, aceitei a verdade que me cabia.
SAPATONA!
Me senti sapatona, da forma que eles diziam.
SAPATÃO!
Me senti sapatão, do jeito que eles queriam.
E me odiei, odiei meu corpo, minha imagem
quebrei meu espelho,
rasguei algumas roupas,
baguncei meu cabelo,
e não me encontrei,
retrocedi,
me escondi,
E continuaram a me gritar MACHONA,
FANCHONA,
SAPATONA,
me encolhi
tentei me adequar a um padrão,
tentei andar na norma, na regra,
tentei ser imitar o outro,
mas não consegui
e eu ainda era SAPATONA,
FANCHONA,
MACHONA
Enquanto o tempo foi passando,
me desencontrei de mim,
muitas pessoas foram embora,
muita gente me fechou as portas,
e em minha cabeça ressoava as mesmas palavras
FANCHONA, LÉSBICA, MACHONA, SAPATONA!
FANCHONA, LÉSBICA, MACHONA, SAPATONA!
Até que um dia enquanto retrocedia, me levantei
sem mais, me encarei
me aceitei
e me acolhi
sem mais, me entendi
trancada no quarto ressurgi
e me vi, pela primeira vez, LÉSBICA SIM!
MACHONA SIM!
SAPATÃO!
SAPATONA SIM!
E daí?
Gritaram-me novamente
e segui em frente
sem medo
e cheia de liberdade
Gritaram LÉSBICA
e eu respondi: Lésbica sim,
sapatona sim,
machona sim,
fanchona sim,
De hoje em diante compreendi
que o que importa é ser feliz,
se amar
e se aceitar
e como me soa lindo!
SAPATONA
Que gosto tem
Amar uma mulher e ser feliz também
LÉSBICA SIM,
afinal
SAPATONA SOU.
*
Onde queres, calmaria
sou tempestade,
vendaval,
tsunami e terremoto
porque não vou conter minha intensidade por você,
não vou entrar num molde,
num padrão,
não vou viver escondida,
não quero ser repreendida,
quero ser amada,
quero não ter medo,
quero cantar o mundo inteiro,
ser quem eu sou,
amar sem ter,
e como diz Caetano, querer-te sem ter fim.
Quero dançar com você,
é tudo ou nada,
oito ou oitenta,
sem tempo para meio termos,
quero a certeza de um amor tranquilo
e se você não pode garantir isso,
eu entendo,
compreendo,
não julgo,
a sociedade não está preparada para a força e poder que é duas mulheres se amando.
*
Não quero resistir à felicidade,
quero ser feliz ao teu lado,
escrever histórias,
viver momentos.
Não quero ser triste,
permito-me estar triste,
porque nada é,
tudo pode ser
e sempre tudo é passageiro,
menos meu amor por você,
meu amor por nós.
Se quero resistir à algo,
que seja em teus braços,
entre teus beijos,
entre teus sussurros e amassos.
Quero ser tua,
somente tua,
ser feliz e nada mais.
Que venha a tristeza e eu lhe responderei com amor.
*
E se de tudo ao meu amor serei atenta,
Que nunca nos falte zelo
E o encanto de ter sempre uma a outra em pensamento.
Quero conquistá-la cada dia mais,
Sem mais, cantar o canto,
Do riso ao pranto
Sempre atenta e nunca por engano.
E, ao final da noite, na doçura do luar
[Nuas] nas entrelinhas da pureza e inocência
Que eu saiba agradecer o encanto de te amar.
*
Ela
Porque tudo faz sentido quando escrevo sobre ELA.
No entanto, quem é ela?
Que mal vi, senti ou toquei
E mesmo assim, já se perpetuou em mim?
Ela Porque tudo faz sentido quando penso nELA
Mesmo longe,
Tão perto, nunca distante.
Ela,
Porque tudo faz sentido quando olho ao redor e vejo ELA
Dos raios de sol ao brilho da lua;
No perfume das flores a mais doce canção tocando no rádio;
Em dias de chuva, nas ondas do mar.
Ela,
Porque a vida só tem sentido ao lado dELA
E sempre será ELA
Ela que tocou minh’alma antes de mapear meu corpo,
Ela, e somente ela, que fez e faz o amor brotar todos os dias em cada poro do meu ser, Ela, desesperadamente ela, que me tomou em seus braços fazendo-me viver.
Ela, é ela!
Ela, ela que torna a vida breve
E o segundo, uma eternidade.
Ela, ela que desmancha qualquer arte num sorriso,
E faz parecer Van Gogh e Picasso um mero rabisco.
Ela, ela que doma toda a dor,
E nunca perde o sabor da vida.
Ela, ela que faz o Big-Bang meras cócegas,
Porque o universo só é universo com a existência dELA.
Ela, apenas Ela, que é linda como a aurora
E intensa como o poente.
Ela, porque não tem outra explicação a não ser Ela.
E, para mim, Ela é e sempre será a dona do meu coração.