Cinco poemas de Noélia Ribeiro
Noélia Ribeiro é pernambucana, radicada em Brasília. Cursou Letras na Universidade de Brasília. Aposentou-se como Taquígrafa Revisora da Câmara dos Deputados. Publicou Expectativa (1982), Atarantada (Verbis, 2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015) e Espevitada (Penalux, 2017). Tem poemas em antologias, jornais, revistas e nas revistas digitais Mallarmagens, Germina, Acrobata e InComunidade, entre outras. Integrou a antologia digital As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira vol. 2, organizada pelo poeta Rubens Jardim, e a exposição Poesia Agora, na Caixa Cultural (RJ). Recebeu, da Secretaria de Cultura do DF, o Prêmio Igualdade de Gêneros na Cultura. É membra da Associação Nacional de Escritores (DF) e da União Brasileira de Escritores (RJ). Produz as lives “A Fim de Poesia” e “A Fim de + Poesia”, no Instagram.
***
NO SUPERMERCADO
Empurro o carrinho
devagar, com aquele rosto
plácido de peixe Beta em seu
aquário de solidão agonizante e raiva.
Curiosa, espio o caleidoscópico
conteúdo dos carrinhos alheios…
Expio a desproteção da escolha,
o tormento do erro, a palmatória de
cores, preços, marcas e sabores,
a guilhotina do prazo de validade.
Uma voz de adulto me ensurdece a memória:
Decida!
Um elefante cai inopinado em meu carrinho
A fumaça branca do polvilho no ar
suscita uma saudade nebulosa
um quase chorar e gritar por socorro…
Boa tarde, moço! Crédito, por favor. Divide?
Quantas chances terei para acertar a senha?
*
NADA EM TI ME SURPREENDE
Nada em ti me surpreende
Conheço teu contorno
teu sotaque
teu afeto
Sei do calor
de tuas mãos
conchas onde guardo
meu segredo
Deitada à sombra
de teu corpo
sou nascituro cego
incompleto
Nada em ti é cedo
*
SOBRE OS OMBROS
Quando meus ombros
doem do peso de existir,
não consigo erguer os olhos
para contar estrelas.
Contento-me com as que
caem à minha frente
como sonhos banidos
do firmamento.
Minha casa
não tem janelas
em dias cinzentos.
*
TODOS NA TUMBA
(a Charles Bukowisk)
Charles, ninguém se importa com você.
Seu poema não importa.
Nem a lama nos sapatos do jovem
que acaba de fugir de casa e
tem nas mãos um pássaro
com a perna quebrada.
Observo da janela da sala:
ninguém se importa com eles.
Você não sabia?
A cerveja que busco na geladeira, derramo-a
em dois copos e, solitária, brindo ao amor.
Que importa se os transeuntes
deixaram os olhos em casa?
*
DE MALAS PRONTAS
Desligar as luzes
Fechar as janelas
Trancar a porta
Abrir a bagagem do desconhecido
e desorganizar sentimentos…
Viajar é perscrutar a casa
que levamos dentro