Cinco poemas de Nyll M. N. Louie-Alicê
Nyll M. N. Louie-Alicê (pseudônimo de Vinícius Dallagnol Reis) nasceu em Sinop (MT) em 1992, cidade onde sempre residiu. Escreve poemas desde os doze anos, inicialmente usando apenas o pseudônimo Nyll. É formado em Letras pela UNEMAT, campus de Sinop; e atualmente está concluindo o mestrado em Estudos Literários pela mesma instituição. Suas personas dividem-se de acordo com as temáticas, às vezes mescladas: Louie dos poemas curtos e trocadilhos; M. dos escritos que mergulham e se aprofundam nos poços da memória; Nyll, dos pesadelos e noites de insônia; N. dos arquivos panfletários; e Alicê, dos pensamentos “intraduzidos”. Foi premiado em quatro edições do Varal de Poesias da Unemat (Sinop) com os poemas “Os Eternos Peixes de Gelo”, “Ato Falo”, “Medusa às Avessas” e “Tropicapocalipse”; este último incluso em sua primeira antologia, Escatolírica Nokturna (Carlini & Caniato, 2018).
***
Dionisô
Dionisô é o avô do vinho
Esse que fuma na ponta do cachimbo
Uma oxítona em formato de chapéu
Vô que vai ao voo do anjôo
Asas átonas
Na beira da praia:
Cadeira de praiá pra descansá o verbô.
11 de Dezembro de 2017
*
Aos Petulantes
[em lembrança terna aos ensinamentos do camarada Aureir]
Põe-se a pé o pobre povo
e podem parecer pouco peso:
paz pedem, pedem socorro
e perdem passivamente o permeio…
Porque o partido os pega pelo pescoço
permutando a pressa pelo paço,
podando o poder proletário e preto
para poder por o pragmático ao palco!
Parece pouco problema?
para o povo é pouco pão, pândego:
peçamos é, para o patíbulo, o patrão petulante!
E, em pulo, o presente poema
pede parecido para pararem o político pelego:
pois pior é permanecer em pódio o pai pedante!
*
Now, joined the statistics
Me,
who never believed this science
here am again… above
So,
I turn, I lost, I become
the last part of myself:
a no
a maybe
to a marchyr-body
And I say. I’m…
Bye: to God.
Under the trees,
buried below their seeds
their branches
their brands:
now aren’t ashamed
of me as just a memory:
s a d
i
c
k’ and avoided.
*
A Casa
Esta casa é algo que ainda não consigo significar.
Quando a imagino florescer
por entre as pedras
nenhuma de suas cores
consegue me apetecer…
Tentei imaginá-la
com seus muros
e alguns destes até me agradam…
Mas…
Sempre que algo nela me agrada
corre um vento ligeiro
deste de fechar portas
mais ligeiramente ainda…
e logo atrás
traz
para dentro da memória da casa
um sentimento desagradável…
Tento fazer testes:
passo por ela durante o dia
e durante a noite
e as sombras que a percorrem
carregam novas tonalidades…
e ora melhoram
ora pioram sua feição…
Nem mesmo às árvores, as árvores
podem lhes dar estabilidade:
as raízes, que brotam
e levantam os paralelepípedos
da calçada,
e formam gentis arabescos
desvelam também
um mundo subterrâneo
povoado por demônios
em formato de insetos…
Posso ouvir seu zumbido,
e nem todos são abelhas…
Mas o som é alto…
isso eu sei…
Esta casa era para ser um refúgio
um santuário de aconchego
um lugar em que nem as horas mornas
poderiam me fazer temer a morte…
Mas ainda falta tanto para estar completa!
Afinal,
mesmo que seja a maior parte dela:
uma casa não se faz apenas
de nuvens,
pores do sol
e chuvas na varanda…
E este é mais outro problema:
mesmo que eu não seja fraco de imaginação…
não consigo vislumbrar o céu
visto de dentro dela…
Ainda faltam muitos nutrientes
ao útero da casa.
Mas outros sentidos podem sanar
a doença incurável que a casa tem:
O som que a casa fará
será um som de osso
os ossos que desde o começo do mundo
as pessoas sopram
e continuaram, as pessoas, a soprar…
E se eu abaixo as minhas mãos…
em qualquer lugar que esteja
É como se sentisse seu pelo macio
de relva…
e mesmo a aspereza da areia
do terreno ainda não limpo
faz um barulho agradável…
Entre algum lugar entre o quintal da casa
há um pé de jabuticabas
que vão trazer um gosto doce
para a vida.
E, finalmente,
as trepadeiras na sebe
com certeza tem flores
cujo cheiro irá alimentar
as demais memórias…
Assim,
esta casa rima com sua ausência:
seria, à moda do que disse uma amiga
a casa, “o poema que todo poeta esperou?”
Eu só preciso tomar cuidado
para que tal poema não seja
invadido por nomes próprios:
preciso aprender
o difícil ofício
de construir uma casa apenas com palavras…
e sobreviver a isso.
Mas embora esta casa possa ser algo
que eu não consiga ainda significar:
em algum lugar
eu escondi a chave de casa
e quando eu achar
eu nem vou me importar
de ser um dia nublado…
Pois em algum lugar desse lar
há um lugar para a casca do corpo descansar:
para que esta casa que eu levo no sonho
possa inaugurar a casa
que me espera no mundo…
[10 de Junho de 2018 ― 07 de Agosto]
*
Breve Elegia às Lágrimas ― ou dúvida n° LXIII
Desci à coluna
de colinas
à meia-noite,
esfreguei minhas mãos… contra os pulsos…
E submergi-oas nas águas pálidas…
Ainda me perguntava se era sonho
e talvez o sol ainda tivesse acabado de se pôr…
Deixei ao lado,
uma mochila
com as lavandas que colhi
em frente ao moinho…
e pousei os olhos sobre o rebanho mais próximo…
Como era doce a calma das ovelhas…
e como era obscura a minha Dúvida…
Ainda carregava o último jornal de Novembro
e as últimas lágrimas de outubro…
ainda doíam-me nas veias
que carregam
os lagos dos olhos…
Ao pescoço,
segurei o colar de ametista…
e percebi que ele não estava mais ali…
Foi então que ouvi um gemido
Extracorpóreo
entre o rebanho
de ovelhas:
um gemido de cabras.
Aproximei-me,
com medo.
A relva ainda estava gélida
do orvalho inverso da manhã ainda não
chegada.
No meio das ovelhas,
uma cabra parira
um filhote perfeito
e, porém outro,
uma mistura mutacional
entre uma cabra
uma porca
e uma figura humanoide.
Tive medo pela segunda vez…
Olhei ao longe e vi uma figura ao fim da nuvem mais próxima
que jogava pelos ombros do campo…
Aquela nuvem fora eu um dia
por entre os lençóis da casa de minha avó…
Eu ainda conseguia ler…
e viver…
Ao longe, mais ainda…
ouvi um doce som de piano…
como se ele tocasse dentro de uma cachoeira:
o Véu da Noiva.
Percebi que meus cabelos tinham crescido de mais…
eram com eles apenas que me não permitia
estar nu
no campo
da à meia noite:
com a cabra a balir e tudo.
Tentei juntar os pontos,
mas era impossível…
Só me respondiam os cupinzeiros
como pústulas do chão…
Uma formiga, enorme, passou por mim,
segurando suas antenas:
Eu a molhara com minhas lágrimas.
Naquela noite,
entre todos os meus pecados,
o maior deles
foi compartilhar a minha tristeza
com quem nem sequer possuía a linguagem
para se defender
da promíscua
vontade de continuar vivendo.
Nada impediu-a:
correram os cavalos por entre as árvores
carregando o aborto amarrado por cordas
em direção ao abútrido ninho
do Centro-Núcleo da Terra:
onde residem os funerais
dos Narvais
fantasiados de Belzebu:
sopa de moscas…
the home sweet home,
que apenas Nietzsche, Dostoiévski e Beckford conheceram…
Era o sentimento da Quinta Estação e da Terceira Guerra.
Eu era o Feto: fatal… em busca de seu autodeicídio…
Mas desisti.
E por meu desistir,
as alfazemas apodreceram
no rotundo casúlulo da Alma.
Ë’bandonei o Farol:
e troquei-o mais uma vez
pelo olhar irreconciliável de uma vaca de nariz sutil.
[23 de Novembro de 2018 [editado em 10 de Junho de 2019]]