Cinco poemas de Patrícia Águila – Revista Mal de Ojo
Ser América Latina é acreditar que, para além de simples territórios e dos idiomas falados, há um povo que conta as suas histórias e resiste dia após dia às instabilidades econômicas/políticas e severos problemas sociais. E nessa resistência, engendra-se uma diversidade literária, que, assim como o povo, luta, se recria, ensina e nos encanta. Do político ao simples versar do cotidiano, aqui se unem e se cruzam as revistas Mal de Ojo e Ruído Manifesto para dar voz ao povo de uma América Latina que ainda precisa gritar por liberdade e fazer de suas paixões trincheira, repercutindo aos quatro cantos do mundo, por intermédio de textos singulares, a beleza e a contundência de seus desejos. Por aqui passarão escritos de poetas da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Peru
Uma curadoria de Hérnan Contreras R. e tradução de Michelle Santos.
Tu não pode me escutar
Senhor, tu não pode me escutar
Não nasci perto de suas catedrais
Nem tive caixinha no mês da Quaresma
Comem sopinha de pão no céu, Senhor?
Você viu seu pai, as roupas do meu pai?
Senhor, tu não pode me escutar
Não nasci em manjedoura
Nao recebi presentes no meu berço do hospital
Senhor, tu não pode me escutar
Sigo inquieta pelas ruas que não crescem perto dos rios
E que me convidam todas as noites para “modelar mis dientes”
Como uma sombra que só deixa poças de vinho
Como meu único rastro
Tú no puedes oírme
Señor, tú no puedes oírme.
No nací cerca de tus catedrales.
Ni tuve cajita para el mes de cuaresma.
¿Comen en el cielo sopita de pan señor?
¿Viste tu padre, las ropas de mi padre?
Señor, tú no puedes oírme.
No nací en católicos pesebres.
Ni recibí ofrenda en mi cuna hospitalaria.
Señor, tú no puedes oírme.
Avanzo inquieta por calles que no crecen cerca de los ríos.
Y que me invitan noche tras noche, a modelar mis dientes.
Como una pena sombría, que solo deja pozas de vino.
Como única huella de mi pasar.
*
Era uma vez
Nós demos de cara com a tempestade
Naquelas noites nos escondemos atrás das penas
As aves afligidas nos seguiram até o norte
Nossas mães pegaram migalhas
e deram para as aves comerem
Os aquecedores não acenderam
Nao serviam de nada as palavras carinhosas e as lenhas que nossas avós colocavam
A gente avisava as vizinhas que o gigante estava chegando
E todas correram para esconder as velas palafitas em caixas metálicas, parte por parte
Érase una vez
Nosotras embestimos la tormenta
Nos escondimos aquellas noches, tras las lumillas
Las aves afligidas no siguieron el norte
Nuestras madres pusieron migas en sus manos
Y les dieron de comer.
El fuego de las estufas no reconoció la madera
De nada sirvieron, las palabras cariñosas y los troncos que vertían sobre ellas las abuelas.
Nosotras alertábamos a las vecinas, que venía el gigante
Y corrieron todas a esconder en cajas metálicas, parte por parte, los viejos palafitos.
*
Shh…
Cindy, o que você está fazendo debaixo da cama?
Shh…
Estou me escondendo como os gatos quando sentem medo.
Está vindo.
Vomitei minha respiração
Minhas irmãs mijaram na cama
Me pergunte amanhã.
Qual o cheiro do medo?
As vizinhas me deram rosários de presente
E rezam por nós na capela
Chegou o vizinho de novo!!
Cindy Lopes?
Onde você está?
As meninas do bairro colam sua foto nas suas saias
Shh…
¿Cindy que haces bajo la cama?
Shh…
Me escondo como los gatos, cuando sienten miedo.
Él ya viene
He vomitado mi respiración
Mis hermanas orinaron la cama
Mañana pregúntame.
¿A qué huele el miedo?
Las vecinas me regalaron rosarios,
Y rezan por nosotras en la capilla
¡¡Otra vez llegó el vecino!!
Cindy López
¿Dónde estás?
Las chicas del barrio pegan tu foto en sus faldas.
*
Cindy Lopes
Somos esse ausente que nunca respondem na fila dos consultórios
Um espaço sujo onde as meninas não brincam mais
Essa esquina que um dia acolheu nossos pais
A garrafa que mudaram por pão “Donde la Mary”
Somos Cláudia, a travesti do bairro, que jogaram nua de chuva na calçada
Nesse lugar cabem tantas cruzes quanto numa quadra poliesportiva
Seguem chorando as velhas andorinhas por suas filhas que não conheceram nos anos 70
Os recortes com cloro nunca escreveram a história
Sua pátria merecia mão pequenas que fizessem as pérolas de Dona Lucía brilharem
“Não quero que a vida me encontre acordada” – Diz Cláudia colocando mortadela em seu pão
Somos meninas que só queriam se divertir, uma Cindy Lopes Morena, com suecos, corte punk e minissaia
Todas as ruas têm gravadas as noites e nossos nomes
Nas lixeiras em que você colocou o lixo, ontem à noite minha irmã foi queimada
Mônica Briones não tinha a cabeça no lugar
Marta Urgate era doente de tão teimosa
repetirão isso até cansarem ou entrará com sangue na lição ensinada
Cindy López
Somos ese ausente que jamás responde en las filas de los consultorios.
Un espacio roñoso donde ya no juegan las niñas.
Esa esquina que un día acogió a nuestros padres.
La garrafa que cambiaron por pan “Donde la Mary”
Somos Claudia la travesti del barrio, que arrojaron desnuda de lluvia en la calzada.
En este lugar, caben tantas animitas como multicanchas.
Siguen llorando las viejas golondrinas a sus hijas que en los ´70 no conocieron.
Las tajeadas con cloro, jamás escribieron la historia.
Su patria necesitaba manos pequeñas que lustraran las perlas de doña Lucía.
“No quiero que la vida me encuentre despierta”, dice la Claudia tatuando mortadela en el pan de la semana.
Somos las chicas que solo quisieron divertirse, una Cindy López Morena, con suecos, corte punky y minifalda.
Todas las calles llevan grabada la noche y nuestros nombres.
En los tachos donde usted hoy botó su basura, anoche fue calcinada mi hermana.
A Mónica Briones le faltaban Palos pal puente.
Marta Ugarte era enferma de porfiada.
Habrán de repetir esto hasta el cansancio o entrara con sangre en la lección enseñada.
*
A fumaça preta cessou
Sustento teu braço cortado
E costuro em outros que não produzem hoje
Somos mãos costuradas até a pontinha da pele
Esta noite os fornos não ardem
A fumaça preta cessou
Esta noite nós ardemos
Ardemos aqui, onde o silêncio é lei
“Tem que lucrar” repetem
“Não foi grave” mentem
Já havíamos cheirado o sangue
Vimos ele
Nos braços da avó que desmaia de cansaço
Nos braços da companheira epiléptica que tem convulsão enquanto as linhas não param
O companheiro que morre de um ataque enquanto é obrigado a transportar carga em excesso
Nos braços de todos que morrem com o corpo ensacado
Em um chão frio de mãos inchadas
Vimos em bancos cheios de papéis
Em ônibus que nunca chegam
Vimos em mãos não marcadas
Que se escondem atrás do companheiro
Em dias que negam teu nome
fica como marca
o sangue que mancha
as linhas brancas
E outros iguais a ti limpam
Já vi em teu olhos, de dia, de tarde e de noite
Enquanto falávamos de deixar isso
De ter tempo
De sair vivas
Te abraço
Porque esta noite a fumaça preta cessou
E o plástico de nosso corpo arde
Na tentativa de extinguir isso, a incandescência do fogo que avassala tudo
Deixa brasas
Brasas que brilham entre os campos
E não permite você se perder
Esta noite as vozes arderam
E nestas línguas rebeldes busco o caminho para casa
Já não tem ônibus
As mãos não estão marcadas
Mas a fumaça preta cessou
E caminhamos juntas para a estrada
Voltaríamos…
[Às companheiras e companheiros que pararam uma central de Choritos em Dalcahue, em 1 de julho de 2019, para obrigar a empresa a reconhecer e responsabilizar-se pelo acidente de um companheiro.]
El humo negro ha cesado
Sostengo tu brazo cortado
Y lo coso a los otros brazos que hoy no producen
Somos manos callosas zurcidas a bordes de piel
Esta noche no arden los cocedores
Y el humo negro ha cesado
Esta noche ardemos nosotros
Ardemos aquí, donde el silencio es ley
“Hay que ingresar” repiten
“No fue grave” mienten
Ya habíamos olido la sangre
La vimos
En los brazos de la abuela que se desmaya por cansancio
En los brazos de la compañera epiléptica que convulsiona mientras las líneas no se detienen.
El compañero que muere de un ataque, mientras lo obligan a trasportar exceso de carga.
En los brazos de todos los que han muerto con el cuerpo embolsado
En un piso frío de manos hinchadas.
La vimos en asientos que de papeles llenan
En buses que nunca parten.
La vimos en las manos que no marcan
Y salen tras la sombra del compañero
En días donde tú nombre niegan
Quedando como marca
La sangre que mancha
Sus líneas blancas
Y que otros iguales a ti, limpian.
La vi en tus ojos de días, tardes y noches
Mientras hablábamos de dejarlo
De tener tiempo
De salir vivas
Te abrazo
Porque esta noche el humo negro ha cesado
Y el plástico de nuestros cuerpos arde
la incandescencia de fuegos que avasallan todo
al tratar de extinguirlos
Dejan brasas
Brasas que brillan entre los campos
Y no te permiten, perderte
Esta noche ardieron las voces
Y en esas lenguas rebeldes, busco el camino a casa
Ya no están los buses
Las manos no marcan
Pero el humo negro ha cesado
Y caminamos juntas hacia la carretera
Volveríamos…
[A las Compañeras y compañeros que el día 1 de julio del 2019 pararon la producción de una planta de choritos en Dalcahue, para obligar a la empresa a reconocer y hacerse cargo del accidente de un compañero]
—————————————————
Patrícia Águila (Chiloé, Chile, 1992). Em 2018, publicou seu primeiro livro de poemas, “Luciérnagas”, distribuído e editado pela Editora Wayruro (La Serena), e “Cindy López”, no ano de 2020, editado pela Editora Folil. Pájaro Azul e Marea Negra Chilwe também fazem parte dos coletivos culturais. Ela participou de diversos recitais de poesias em Valdivia e Chiloé, antologia sobre a responsabilidade do Editorial Hermana (Talca), no ano de 2018, quando também participaram outras poetas do Chile e da Argentina. Alguns poemas de Patrícia Águila estão disponíveis na fanzine “Lava Nº1”, da Editora Relente (Osorno), e na revista “Sudras y Parias” (Lebu), e na revista digital Liberoamérica “Pétalos rebeldes: Poesía Chilena contemporánea”. Seu trabalho na dramaturgia conta com três obras escritas: “Cuerpos Embolsados”, “De pandemia y otras vecinas (monólogos en cuarentena)” e “No todo lo que brilla es oro”. Ela também trabalha como locutora no programa de rádio “Amargadas” para Holística Radio de Santiago.