Cinco poemas de Patricia de Aquino
Patricia de Aquino
Quem é você?
– A frente do avesso de uma poesia.
Graduada e mestre em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Faz doutorado em literatura irlandesa contemporânea. Apaixonada por quadrinhos, pelo feminino, fotógrafa e cozinheira nas horas livres. Contato: patriciadeaquino@yahoo.com.br e https://www.instagram.com/arteatimesmo.
***
underneath the building
there is someone sleeping
on a torn mattress
on a random floor
on the foundation of the building
there are builders who speak the language of bricks
their words and faces are different
but when they lay
brick upon brick
they understand each other
on the ground floor
the cleaners are brazilian
nobody greets them
nobody wishes them a good day
they sweep, wipe, mop, rinse, and dry
and as long as the floor is kept bright
you won’t even notice them
from the first floor on
there are the real people
the locals
the ones with the right names and numbers
the ones that come with a cuppa in the morning
and that leave at five for a pint at the pub
on the top floor
there is a Man
not a woman
sitting in a room with a view
looking out of the window
seeing nothing but himself
at his reflection on the mirror
(Poema escrito para a apresentação no evento Women x Borders, Women Aloud em celebração do Dia Internacional da Mulher de 2018 do Irish Writers Centre em Dublin, República da Irlanda)
*
não sei por onde ando
mas passo
perna
é tropeço
me sento
olhar o céu é mais norte
do que andar errante
*
A única regra no meu livro de leis é ser eu. Peguei minha pena, abri o pergaminho e olhei pra ele por horas. A vela chorando, suando em gotas, queimando, eu com os dedos, tateando a folha. Quem é a lei? Como começa meu estatuto de mim mesma? Tantos livros na estante, tanta poeira. Eu ouço o som do velho. Ecos daqueles que se foram. Eu renasço e não posso olhar pra trás. Deixe que os mortos enterrem os seus. Eu tenho que cuidar de mim. Não posso ouvir vocês que não habitam esse corpo e não nasceram sob a minha alcunha. Eu sou outra. Nem a de ontem. A de hoje também já se despiu. Trocou de pele. Deixou ela mesma antes do anoitecer. Amanhã acordarei quebrando as cascas do ovo. Abrirei os olhos com o fogo do sol. Eu nascerei para o novo. Eu largo a pena, mordo a minha carne e escrevo com o meu próprio sangue. A minha lei sou eu.
*
Eu vejo nascer dentro de mim uma flor. A mesma que morreu em outonos passados. A mesma de outrora. A que se calou. A que não deu o grito quando caiu da árvore. A que foi pisada em silêncio. A que serviu de tapete para os pés transeuntes na calçada. Aquela, que era tão bela, e se desfez. Aquela, Raquela, que nasceu com o nome errado. Mas essa flor é imortal. E ela nasce e renasce até conseguir o que quer. Que é virar rama, que é se espalhar, polinizar, embriagar abelhas e beija-flores. Ela nasce de novo e de novo até virar árvore, desabrochar, cair, crescer e virar campo de flores. Enquanto essa flor não germinar, não há outono que lhe pare.
*
Eu não posso dizer. Eu não posso mostrar. Guarda. Cultiva. Rega. E espera. Os dias circulados no calendário. A caneta vermelha. Uma flor a menos. Pétalas que caem como páginas que rasgam de um livro velho. A cor amarelada. O bolor e o silêncio da sala. A cadeira de descanso da vó na janela e o terço caído em cima do parapeito. A cortina de renda branca engravidando do vento. Eu calada. De pernas fechadas. Com as mãos em cima da saia medindo com os dedos a goma da barra do linho. Era dia de domingo. Das visitas. Do chá da tarde. Do sino que toca às seis. Era dia do fim de mais um ciclo. De mais uma semana. Dentro de meses e anos. Da ampulheta do tempo que escapa pelas frestas. Da areia espalhada no chão.