Cinco poemas de Raquel Reis
Raquel Vellozo dos Reis nasceu no Rio de Janeiro. Graduou-se em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UERJ. É artista plástica, pintora. Cursou arte durante quatro anos no Parque Lage (EAV), expondo em diversas ocasiões, dentro e fora do país. Dentre suas principais exposições, individuais ou coletivas, destacam-se as do Centro Cultural dos Correios, Galeria Chagall, Candido Portinari (todas no RJ), e na Galeria Colorida de Arte (Lisboa), além da residência artística que fez na Maison d’Emma (França). Esses poemas fazem parte do seu primeiro livro de poesia, São flores o enredo da noite?, publicado pela editora Giostri.
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Palavras
Para que as palavras
Se não consigo me fazer entender?
Por que não se deixar
Pelos sentidos guiar?
A confusão gerada
Pela linguagem humana
É sinal de que se está doente
Da vida parada no presente.
De ser racional,
Orgulho se sente;
De olhar para as coisas e saber o que elas são
— Tão pouco inteligente é esta visão!
Aprisionando a alma
O homem segue o seu destino,
Assim acreditando ter o poder
De dominar o mundo.
Mal sabe que, ele próprio,
Não passa de um segundo!
*
Beijo (Mulheres apaixonadas – D.H. Lawrence)
Indefinido contorno da vida me espreita
Quando minha língua experimenta uma nova sensação
Ao beijá-lo pela primeira vez…
No abismo me precipito e firo a passagem com um punho cerrado
Na nostalgia de uma vida sem aforismos;
Absorvo tudo o que sinto num rompante sem pudor,
Nem por isto consinto a sordidez escapada da sua boca
Que, misturada à minha, sonda os mistérios emanados do meu ser:
Fecho os olhos do corpo, mas os da alma são guardiões da eternidade…
Nesta junção que nos torna abstratos,
Duelo contra promessas contidas no seu calor, no seu perfume, no seu sexo…
Vencem os incompreensíveis desígnios da criação…
Confusa, relato para o meu canto futuro:
Se você é o Centro, eu sou o Universo,
Onde tudo principia e tudo finda;
Se é a Imagem, sou a Matéria Amorfa que contém todos os possíveis!
*
Má jogada
Dois dias de um mundo só e abandonado;
Dois sentidos em um nó mal dado;
Dois elos encadeados,
No jogo refutado.
Abricó e queijo.
Ritos misturados.
Peles de cobra e festejos — um mau presságio.
Fios de cobre sem luz,
Porta-retratos quebrados,
Pingos de chuva e goteiras — um trabalho suado.
Dois dias de um tempo esgotado;
Dois antigos anseios cortados;
Dois pensamentos expressados,
Em hora errada.
*
Compadecimento
Compadece o insone pulsar
Das intrometidas carências vitais,
E seus vigilantes terrores,
Que exortam o corpo à busca de analogia constante…
O domínio dos repulsivos encontros,
Na biosfera do pecado em desmesurada ira,
Refaz a iconoclastia perdida
Pela mente incorporada ao destino servil…
Rasgam-se as veladuras,
Ampliam-se os horizontes em ramadas linhas,
Deixando a semelhança em grave sonolência,
— Sem compaixão…
*
A Franz Kafka
Dê-me sua força,
Enquanto a cor não se faz
Presente na inquisição
Onde a água secou e o imprevisível
Ronda o fascínio da mão
Crispada em acusações…
Desprenda o rigor,
Enquanto as folhas murchas não caem,
Criando mortos caminhos,
E sombrios desastres
No insondável coração dividido…
Leiam o libelo,
Em que as provações evocadas
Se encostam à solta fuligem
Das queimadas que afligem
O inocente surpreendido…
Lacerem a carne,
Que aprisiona em artifícios
O sopro imanente do Ser,
Sacrificado em vagos processos,
E cruéis labirintos do poder!