Cinco poemas de Ruy Proença
Ruy Proença (1957- ) nasceu na cidade de São Paulo, onde vive. É poeta, engenheiro de minas e tradutor. Autor dos livros: Pequenos Séculos (Klaxon, 1985), A lua investirá com seus chifres (Giordano, 1996), Como um dia come o outro (Nankin Editorial, 1999), Visão do térreo (Editora 34, 2007) e Caçambas (Editora 34, 2015). Publicou também os infantojuvenis Coisas daqui (Edições SM, 2007) e Tubarão vegano e outros elementos (Espectro Editorial, 2018). Traduziu Boris Vian: poemas e canções (coletânea da qual foi também organizador, Nankin Editorial, 2001), Isto é um poema que cura os peixes, de Jean-Pierre Siméon (Edições SM, 2007), Histórias verídicas, de Paol Keineg (Dobra, 2014), e Dahut, de Paol Keineg (Espectro Editorial, 2015).
Os poemas “Pedra” e “O eu completo” são inéditos.
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Praga
galpão industrial
do inferno
entre nuvens
de dioxinas
e furanos
funcionam
três incineradores
de resíduos
um funcionário disse:
olha
um grilo
na canaleta
cuidado
pega
joga ele na grama
do lado de fora
o outro
obedeceu
abaixou-se pegou
aquele inseto enorme
e disse
morto
não era grilo
era gafanhoto
[de Caçambas, Editora 34, 2015]
*
Êxtase
Madeleine
pretendia subir aos céus.
Só caminhava
na ponta dos pés
pois acreditava que Deus
a conduzia para cima
pelas axilas.
Ramakrishna
desde adolescente
gostava de vestir-se de mulher.
Tinha compulsão por doces
como se estivesse grávido.
Seu corpo ficava tão quente
que a terra em volta
restava calcinada.
Madeleine
deu entrada num sanatório
em 1896.
Seu médico
Pierre Janet
pesava-a com frequência
sem convencê-la entretanto
de que não levitava.
Dizia-se possuída por Deus
e em certas ocasiões
apresentava em várias partes do corpo
chagas de Cristo.
Ramakrishna tornou-se
um famoso místico.
Deu entrada nos céus
efusivamente
em 22 de maio de 1886.
[de Como um dia come o outro, Nankin Editorial, 1999]
*
Pedra
sentado sobre a pedra
em que minha mãe
costumava sentar
sentado sobre a pedra
que se projeta no ar
das montanhas
para a mãe
a pedra
era altar
para mim
a pedra
é pedra
ore quem quiser orar
lapide quem quiser lapidar
levite no despenhadeiro
quem quiser levitar
*
Totem
Uma baleia morta sobre a areia
muda o centro de gravidade
de um dia azul de cartão-postal.
As ondas perguntam e perguntam
por que se perdeu.
Apinhados ao longe
os homens só sabem repetir em alvoroço
o que as ondas perguntam.
Um homem se destaca dos demais:
19 metros, 40 toneladas –
brutal incerteza que aflora
abalando o centro de um dia azul.
[de Visão do térreo, Editora 34, 2007]
*
O eu completo
torne sua mente livre e serena. aplique o método da subtração. descarte todas as fotografias acumuladas no cérebro, todos os milhões de pensamentos e emoções armazenados nessas fotografias, toda a vida vivida. retorne à origem, antes da existência do mundo. quanto mais a mente se esvazia, mais o latão de lixo enche, mais fácil resolver os problemas da mente. se ainda assim não resolver, descarte a própria mente ou, no limite, a vida.
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Foto de Daniel Kersys.