Cinco poemas de Sérgio Santa Rosa
Sérgio Santa Rosa, 46 anos, jornalista, graduado em Comunicação Social e mestre em Comunicação Midiática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Lançou, em 2007, o livro reportagem Prosa de Cantador: a história e as histórias dos cururueiros paulistas (Fepaf/PAC) e, em 2019, o livro de poemas Serpentário (Estúdio Nada).
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De repente
de repente você estava nua
no espaço exíguo do quarto
sob a luz esverdeada do três em um
o resto do mundo dissolvido
o resto do mundo apenas material
e era apenas madrugada
nós, abandonados e unidos
como palavras de um poema perfeito
você estava nua e era real
eu te ouvia a nua imagem
temporal e turbulência
incorporei minha voz às tuas pernas
e tramamos nossa trupe de dois
com a força e o enigma das concepções
você estava nua e o relógio parado
ameaça de incêndio no teto baixo
talvez houvesse uma cadeira
talvez a janela aberta
talvez um pássaro radioativo de LSD
um bardo judeu repetia refrões
trovão ou terremoto
sacudindo as entranhas da casa
faz tanto tempo
mas esse instante permanece
energia de alta densidade
nua
a expandir
e criar
*
O universo (numa noite de junho)
há um distúrbio no sistema
um risco de cinza no domingo de lua
e tudo segue e se empedra e se desaloja
e relaxa e se desencanta
e navega
há distúrbios gravados nas almas dos povos
e o mar espera
como esperou na véspera
como esperará amanhã
e em todas as horas
enquanto conquistamos a moderna nobreza
de passar em branco
*
O velho
na casa vazia
o velho segue o trilho
da luz azulada do televisor
noite quente de domingo
os pés em poças d`água
de vida chuvosa
a herança já dividida
a carga metálica do silêncio
alquebrado, moroso
em sua cama morta
o velho sente saudades do trem
*
Rola um jazz
rola um jazz
a noite alimenta colapsos
e uma surpresa pousa
quase pura
na carne fraca
*
Terreno baldio
olhos nos pesares
calor no lombo do trabalhador
engulhos no estômago da estrela de cinema
as dívidas e seus motivos torpes
ao descobrir que os moinhos são reais
tensiono as falas avoengas ao limite
e arranco os poetas das molduras
aqui não é um lugar fácil de estar