Cinco poemas de Thiago Sogayar Bechara
Thiago Sogayar Bechara é jornalista, escritor, dramaturgo, compositor musical e crítico literário. Tem 14 livros publicados, em gêneros como Poesia, Biografia, Contos, Teatro, Ensaio, Fotografia e seu mais recente trabalho é a antologia de poemas Anjo frito no amor de dois deuses (Ed. Urutau, 2020) com prefácio da cantora e compositora Zélia Duncan. Em seus quase 20 anos de carreira, Bechara vem trafegando pelo meio teatral e musical do Brasil e também de Portugal, onde morou por mais de 4 anos. Em Lisboa, fez seu Mestrado em Estudos de Teatro e atualmente finaliza seu doutorado em Estudos Portugueses e Românicos, ambos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Dentre seus objetos de estudo, estão Fernando Pessoa, a lírica do Fado, a música alternativa brasileira e a história do teatro de seu país, tendo sido comentado em textos de nomes como Naum Alves Souza, Claudia Mello, Gabriela Alves, Ana Lucia Torre, Leda Senise e Imara Reis. Apresentador bissexto, encabeçou o programa de entrevistas Memória Brasil, onde entrevistou figuras como Beatriz Segall, Ney Matogrosso, Zélia Duncan, Ana Lucia Torre, Ruy Castro, Elias Andreato, dentre muitos outros. Como dramaturgo, é autor de algumas peças que já receberam leituras públicas em espaços como o Teatro Sergio Cardoso, o Teatro Garagem (em São Paulo) e a Casa da Achada (em Lisboa). Na comunidade Rede de Leituras, sua obra Sônia: um ato por Tolstói foi lida por Mariana Muniz, com direção de Elias Andreato. Dentre as biografias que escreveu, destacam-se a da cantora Cida Moreira, da atriz Imara Reis, do compositor Luiz Carlos Paraná, e atualmente vem investigando trajetórias como a de Tato Fischer (primeiro pianista do grupo Secos & Molhados), da atriz Edith Siqueira e da compositora Lucina, integrante da dupla Luhli e Lucina. Parceiro musical de Lucina, de Paulo Dáfilin (violonista de Maria Bethânia) e do veterano da noite paulistana José Domingos, Thiago usa sua relação com a música tanto em seus trabalhos em prosa quanto em sua poesia. Como investigador, suas áreas de interesse são igualmente aquelas em que pode documentar momentos culturais e artísticos do seu país por meio de expressões ligadas à palavra, seja escrita, cantada ou interpretada. É autor de artigos na França, em Portugal e vem se dedicando à interlocução cultural entre o Brasil e Portugal, por meio de trabalhos acadêmicos que partem do olhar de nomes centrais de ambas as culturas, como Antonio Candido, Bibi Ferreira, Celeste e Amália Rodrigues e Carlos Gonçalves. Sua obra publicada encontra-se, em grande parte, disponível em seu site: www.thiagobechara.com.br
E o endereço de campanha de pré-venda de seu livro novo é o: http://benfeitoria.com/anjofrito
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Astrologia
Para Lia Farah
Giro de céu…
mais atento ao que rir…
mais contente ao que mar…
Mais descrente do que
não é escrito no céu…
Giro de sol…
Tão lunático em seu deslizar,
marciano na Terra a dourar
toda a constelação
de aquarianos na praia a sonhar
virginianas a se organizar
antes do salto quântico rumo ao verão.
Pra navegar
pelo mapa sem trânsito, só
se for antes da bolsa estourar –
e olhe lá!
Pra te fisgar,
fiz do meu ascendente o anzol:
mesmo bem aspectado o meu sol
ilumina a tua retrogradação.
Quero orbitar…
por entre teus aneis gravitar…
De Mercúrio a Plutão te levar
passear no lombo do Leão!
Te engravidar
Com o melhor do meu plexo solar…
Por outra via láctea gerar
a cauda e a cabeça de um novo dragão.
Giro de céu…
Chega o tempo de outra rotação.
Supernova essa era de mim
transladando para a imensidão
o meu corpo terrestre pra ti.
28/09/2020, Ribeirão Claro.
*
Turba
Do meu pensar em mim surgiu-me um outro
que, ao ver de fora aquele que o pensou,
modificou o original e o que agora
já não é mais nenhum dos dois. Quem sou?
Sou a cidade que em suas pedras tortas
renasce em cada verso que a cantou;
sou qual Lisboa que, outra e mesma, evoca
cada existência que por si passou;
porque ao pensar na sua, outras desata:
num só elétrico uma turba andou!
Feito minh’alma, cantaria morta,
que o recordar de ti ressuscitou
19/09/2020, Ribeirão Claro.
*
Passarinhar
Verão quando me desperta é Pardal,
quarto onde vou dormir
sempre que meu peito faz por o sol:
arrulho de Juriti…
Tardinha revela o Nambu;
na noite funda o Saci…
Sanha de Sanhaço joga o anzol
pra o Mergulhão desistir
fugindo, Tiziu, Tiziu!
Se lá para o mato Tiê vermelhar,
minha alma é Fogo-pagou.
Quando arde o desejo, Noivinha no altar
João-pobre se ensimesmou.
Ponto Cardeal foi sacramentar,
Mas João Rosa amarelou.
Urubuquaquá no Pinhém foi morar
e a porta de barro fechou.
Do sino, Alegrinho voou!
Coruja-de-igreja cantou pra Freirinha
que o céu Não-pode-parar.
Disse a Mãe-da-lua para o Bagageiro
convidar o Araranguá.
Pousou no varal, com pena a Rendeira;
Lavadeira no beira-rio…
Foi com Trinta-réis, Milheiro pagou
pra ninguém mais dar um pio.
Só que não adiantou…
Foi Alma-de-mestre, cantou pra Vem-vem
e a passarada arribou.
Maria-faceira trinou Quero-quero,
quis saber Quem-quem chegou.
Até Trinca-ferro serviu Cafezinho,
Peixe-frito melindrou.
Estrela-ametista foi brilhar pro ninho,
Quem-te-vestiu, perguntou, Bem-te-viu…
Até Pelincho se pelou.
Por fim João-pobre foi ao Tecelão,
se inteirou dos comentários.
Sua desistência causara audiência.
Aconselhou-lhe o Canário.
Falou com Noivinha, piou ladainha,
cantou-lhe não ter tostão.
O Fura-barreiras pagou-lhe o Colete
e a flor do terno o Chitão.
Deu pra Tesourinha tesouro de linho,
cerziu a sua vergonha..
Casou com Noivinha, com festa e padrinho
Esperaram pela Cegonha.
Nem o Maçarico que é de se isolar
quis mais tanta solidão.
E eu também voltei pra minha Andorinha:
sozinho ninguém faz verão.
08/08/2020, Ribeirão Claro.
*
Ciclo
Partir sem o tê do trem:
dar à luz.
Parir sem o pê do porto:
voar,
por ir pelo ar, sem trilho
nem mar;
do céu, vejo sob os meus pés
quem fui,
e quem (n)ovo em breve eclodirei.
Com que voz?,
quando a nave que o ninho choca
e conduz
deixá-lo entre as nuvens –
pra eu aterrar?
25/11/2019, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
*
Limite
Ai de ti que não viu
o jardim que o poeta descreveu.
Ai de mim que não pude
outro jardim que não o meu.
20/02/2002, Ribeirão Claro, Paraná.