Cinco poemas de Vania Clares
Vania Clares, paulistana, é escritora, contista e poetisa, e diretora da Sarasvati Editora e Comunicações. Estudante de Filosofia e ativista cultural. Participou de vários encontros literários na Oficina Cultural Oswald de Andrade e é membro da ACL-Academia Contemporânea de Letras, tendo como patrono Caio Fernando Abreu. Todos os seus livros estão disponíveis em e-book na amazon.com.br. Em poesia, publicou os livros Urgência de auroras, Do parapeito vital, Germinação-sementes de um novo tempo, Ouso, Plenitude, Por trás do vidro fosco, Segundo tempo e Depois da chama acesa. Como coletâneas de contos, tem Salão de baile (citado como inspiração para o filme Chega de Saudade, de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi), Esboços imperfeitos e Para alguém que me perguntou o que é preciso para ser feliz. No romance, é autora de Permanências outonais e O livro do último dia (escrito com Malik Al-Shabazz). Também participa das antologias Fragmentos de escritores contemporâneos (com os acadêmicos da ACL-Academia Contemporânea de Letras), Salvante I – Poesia viva e Salvante II – Coincidências, ambas da Sarasvati Editora.
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E DAÍ?
E daí se ele calou a vida toda
e não foi permitida a palavra
porque quando quis aprender
foi para os faróis recolher migalhas.
E daí se ele acreditou nas mentiras
e esperou que alguém o socorresse
confiando como um cego no seu cão.
E daí se ele desperdiça a poesia
carregando fardos maiores que si mesmo
deixando para amanhã não sei quando.
E daí se ele medica os doentes
sem proteção por vinte horas diárias
porque prometeu e é sua missão.
E daí se ele trabalhou até por demais
da conta e morreu na fila do emergencial
sendo enterrado como indigente.
E daí se o sangue dele é vermelho
Intoxicado, congestionado, massacrado.
E daí se tua prole passa fome,
quem Mateus pariu que o embale.
E daí se não é teu pai, teu filho, teu irmão
E daí?
*
DO SILÊNCIO DO POETA
Entregou-se à emoção
sentindo antes do outro
traçando todas as vidas
com entrega e abnegação.
Não só o bom e o belo
percorreram sua essência,
tudo ficou indelével.
Obedeceu ao seu interior
de onde fluíam palavras
indo ao encontro
do que lhe contavam
os olhos alheios.
Amoleceu corações,
enterneceu outros,
catalisou no amago
toda dor recolhida.
Diante do caos
fez-se a catarse,
amalgamou se perdeu,
entristeceu, chorou
com a visão do fim.
Fechou a cortina da alma
e largou-se ao Deus dará.
Se a voz do poeta se calar
acabou a esperança.
*
A PALAVRA NO TEMPO
e não restará brevidade
na palavra absorvida
enquanto na observância da noite
paira o que recolhe o poeta
toda alienada sincronicidade
de maldade surge desprovida
até na que vem no acaso como açoite
carrega arrematada uma seta
bastará condensada a cumplicidade
no avesso, na extensão dela contida.
Guarda o instante, acata o deleite
salva reminiscências, aninha no peito
crava na alma o que ela desprendida
verte de eterno no tempo
*
NO SAL DA NOITE
Adentro até minha parte insana
e encontro apenas respostas.
Parto tão breve como chego,
aparto-me o quanto me aproximo,
corto os pés nas lanças que espalho
deliberadamente, algoz e vítima
do meu próprio delírio.
Não desassocio a sede de vida
do meu estado de poesia
e faço alimento incondicional
o que retenho e me basta assim.
Incompleta e desajustada
agora recolho o vestígio do que sobra
e junto aos grãos acumulados
protegidos por uma só crença
(será possível, será possível…)
Anestesio as feridas com o sal da noite
e me convenço, irá passar. Durmo então.
Não descreiam os amantes,
nem desdenhem os tolos,
maturo o que despertará em tempo
e ainda gritarei como Maiakovski:
Ressuscita-me! Nem que seja
porque te esperava como um poeta.
Ressuscita-me! Nem que seja só por isso.
Quero viver até o fim o que me cabe!
*
RESSALVA
Que seja ao poeta permitido
nos dias cinzentos chorar
ao se dar conta da mornidão.
Ressente o poeta o dia ido
sem lembrar que há tempo
ainda para o desejo de amar.
Inquieta-se com a solidão
e das lembranças faz acalento
para germinar na dor um verso.
Que seja ao poeta permitido
nesses dias uma canção entoar,
na alma explodir um lamento,
inventar outro rumo adverso.
Somente assim fará sentido
sobreviver aos dias cinza.
A lágrima que incandesce
remanesce em sol liberto.