Cinco poemas e um texto de Jullya Fagundes
Meu nome é Jullya Fagundes, eu tenho 20 anos, me vi crescer em Minas Gerais e é aqui que está todo o meu coração. Desde que eu me entendo por gente, eu escrevo. Pegar numa caneta e num papel sempre foi meu refúgio e, na poesia, eu senti algo que sempre busquei, eu me senti vista. Eu vejo a minha poesia como algo simples, mas que sempre tem uma coisa escondida nas entrelinhas; minha maior paixão é a mistura das línguas, colocar no papel seu sentimento traduzido em diversos idiomas. A escrita, num todo pra mim, se baseia em se expor de certa forma, é sobre mostrar seus sentimentos de uma maneira crua. Eu gosto da escrita que é fácil de se relacionar — de sentir o que foi dito — e foi exatamente isso que eu trouxe no meu livro, A quarentena matou todas as borboletas. Ele é todo sobre sentir verdadeiramente aquilo que se tenta esconder e transformar em algo bonito, revisitar dores e alegrias, vindas de momentos do cotidiano, e remodelá-las em arte.
***
Corpo
tem um lugar na casa que chamo de corpo
onde todo e qualquer sentimento se esconde
principalmente os mais vis
existe um crescimento exponecial desse espaço
e por mais possível que seja a fuga
me vejo cedendo
aqui já não é mais um lar
são escombros
poeira
falta
tem um lugar na casa que chamo por meu nome
onde já não sou bem vinda
não me sinto segura;
só tem frio
gosto amargo
e mais falta
tem uma grande ausência de mim
me falta em meu corpo
.
ultimamente tenho pensado no jeito que respondo a você
é engraçado que minha boca tende a se desenhar
(levemente pra esquerda)
quando a notificação é tua
não entendo como eu sou tudo menos eu perto de você
e em contradição
me ponho nua a tua frente.
ultimamente tenho pensado em como meu corpo responde a tua fala
como arrepios se formam em minha espinha cada vez que meu nome se desprende de você
na forma que minhas terminações nervosas enviam estímulos como se fossem suas mãos em algum canto meu
(mesmo que já não saiba como é de fato a textura dos seus dedos)
ultimamente tenho refletido como a escrita se tornou a curva do seu pescoço
como seus cachos bagunçados tem encontrado casa em meus poemas igualmente desalinhados.
ultimamente tenho pensado em você
e isso assusta
porque a forma como meus pensamentos flutuam em coisas várias
em sentimentos desconhecidos
é grande
é já não sei se me cabe mais
pensar ou sentir
*
oceano
Eu te espero depois do oceano
de braços abertos e peito incerto
tudo aqui dentro ‘tá bagunçado
mas sigo ao lado do novo
minha mão faz tremer o café
minha cabeça implora pra fugir
mas eu te espero
antes e depois do oceano
seja ele quem for
*
eu não sei dançar
Eu não sei dançar. Nunca tive muito domínio sobre isso e sempre chamei de loucos aqueles que se aventuravam em tentar. Até que você me chamou pra ir contigo e, merda, eu não sei dançar, mesmo assim eu fui. Minhas pernas tremiam e as mãos suavam de nervoso. Tu percebeu e sorriu pra me tranquilizar — não adiantou muito o gesto.
Mas quando sua mão se encontrou com a minha cintura e meus braços foram até seu pescoço, eu pude sentir meu coração pulsar em todos os cantos do meu corpo. A música era agitada e não tinha nada a ver com a nossa dança, nós não cabíamos lá, não pertencíamos aquele tumulto, mas você continuou me guiando, me segurando firme em seus braços.
E de repente a batida mudou, os outros continuavam pulando como se nada tivesse acontecido e eu os achei ainda mais loucos, porque a música havia mudado e se encaixava na nossa dança lenta, mas ninguém parecia ter percebido.
Nós continuamos naquilo por mais tempo do que era possível contar e eu te dizia a todo instante que eu não sabia dançar enquanto você só ria do meu esforço e dizia que estava perfeito; com o tempo eu me acostumei ao nosso ritmo, peguei um pouco de jeito pra aquilo, aprendi os lugares certos pra te tocar e fazer com que o jogo ficasse um pouco diferente.
Eu ainda acho que não sei dançar muito bem, sei que por vezes eu pisei no seu pé — também existiram momentos em que quase nos fiz cair — mas você sorria com aquele seu sorriso morno e dizia que tudo isso fazia parte do aprendizado.
Eu não sabia dançar, não me via dançando sozinha e muito menos com alguém, mas que bom que você me chamou e por você eu aprendi.
*
hoje
hoje era capaz de pegar teu ônibus
que assim passava mais tempo ouvindo tu me chamar de bem
era capaz de voltar àquela rua que foi palco de nossos encontros
somente pra ter borboletas dançando em mim de novo
capaz de tomar café forte – sem açúcar
pra te ver contar de seus escritos preferidos
era capaz de olhar a cidade nos olhos
e redesenhar o nome que uma vez tentei apagar;
hoje era capaz de muito
mas já se aproxima a meia noite
*
cidade
te vejo como a cidade
inconstante
temperamental
quando acordo tu é sol
sempre tão quente
me toca a pele e traz arrepios bons
o dia se passa num arrastar pesado
e assim como você
vai se amornando
até que se torne frio
nem se findou a tarde
e de você só me sobra tempestade
cinza
distante
com uma força brutal em palavras que se assemelham a uma ventania
você é tão inconstante
como a cidade ao meu redor
(desgosto disso em ambas)