Coluna “Teia Labirinto” (01.03.20)
Na coluna mensal “Teia Labirinto” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou “Vermelho Infinito”.
***
Olho Amarelo
Por muito tempo quis ser a Simone. Fascinada com a ousadia da personagem do livro a “História do Olho” de George Bataille, pensava na reação dos meus amantes quando apresentasse a cena do ovo no cu. E foi assim que comecei a treinar a tal façanha. Era só entrar no apartamento na Rua Lopes Chave em São Paulo que ía direto para cozinha buscar na geladeira meu ovo. Também usava um prato fundo, o que na maioria das vezes não evitava de fazer aquela sujeira na sala. Era uma loucura! Não tomava banho, nem comia nada, apenas retirava toda a roupa e me sentava no sofá de pernas abertas com o prato entre as coxas. Ali começava meu treino diário. Era um, dois, três, cheguei a usar doze ovos numa única noite. Eu queria muito surpreender meus parceiros. Por isso, não me saia da cabeça a ideia de aprender logo a quebrar o ovo no cu para mostrar minha habilidade e deixá-los loucos. Nessa época, cheguei a perder sete quilos, já que o exercício era extenuante e eu realmente troquei o tempo do jantar pela atividade erótica bizarra. Confesso que depois de uns dez dias comecei a me frustrar. Primeiro que os ovos arrebentavam antes de eu encaixa-los no orifício, talvez com meu jeito afoito de empurrá-los para dentro, eles rompiam a casca antes de entrar. Era uma questão de relaxar e de imprimir a exata força. Também, depois de uns dias, percebi que meus amantes começaram a reclamar da minha ausência, o que achei uma tremenda injustiça, pois era justamente por pensar neles, em oferecer um prazer incomum, que fazia aquilo. A Luiza, de uma relação de três meses, chegou a falar grosserias pelo WhatsApp, “não me manda mais mensagem”, “se não tá mais afim, fala logo, que não tenho tempo para perder com gente desinteressada”. Tentei explicar, muito trabalho, trânsito, artigos… Enfim, cheguei a pedir uma foto dos peitos e da bocetinha dela, que sentia falta e tal, mas a danada respondeu que se eu quisesse era para passar no apartamento dela no outro dia ou no sábado. O João também reclamou, mas depois de um sexo virtual, de mandar fotos do pau e um vídeo se masturbando no chuveiro, se satisfez e ficou por uns dias sem me mandar Whats. Aleluia! Apenas o Luciano foi compreensivo, entendendo que não era desinteresse meu, que era trabalho mesmo, sondou e depois da explicação de não mais que duas linhas, falou de uma viagem com os amigos para praia e que ao voltar me procuraria. Perfeito! Seja como for, continuei meu treino, afinal sábado encontraria a Luiza e se tudo desse certo, poderia mostrar para ela o que tinha feito nos últimos tempos. Ela, excêntrica do jeito que é, não tenho dúvidas, iria amar. Eu, a Simone. Uau! Assim, intensifiquei os treinamentos. Na sexta-feira anterior ao nosso encontro, liguei no serviço e inventei uma gripe terrível, exaustão, dificuldade de sair da cama, inclusive fiz uma voz abatida. Colou, me disseram para ficar tranquila na cama, mas eu não estava, me preocupava o fato de passar tanto tempo buscando aprender a quebrar ovos com o cu e não conseguir. Retomava a leitura do livro “História do Olho”, mas o autor dava apenas os detalhes necessários para excitar o leitor, não havia qualquer explicação sobre a força da musculatura, a parte mais fácil para encaixar, se a mais pontuda ou a mais ovalada, que Simone era exímia nessa arte, mas não iria desistir, peguei minha bolsa e fui a feirinha comprar cinco dúzias de ovos. Aprenderia naquele dia, sem chance de erro. Por volta da meia tarde finalmente consegui romper com precisão meu primeiro ovo e a sequência foi tão perfeita que não errei mais. Por fim, não quis esperar o outro dia, liguei para Luiza no final daquela sexta-feira e disse que iria passar lá pelo apartamento. Estava muito excitada. Não sei a última vez que me senti empolgada daquele jeito, tanto que nem me lembro qual roupa usei, mas tinha certeza de uma grande noite. Foi assim que sai às pressas e esqueci os ovos, apenas quando já estava no elevador do prédio da Luiza que me dei conta que havia esquecido a sacola na mesa da cozinha. Fiquei apreensiva, talvez minha namorada não tivesse ovos, como seria? Iria ao supermercado rapidinho, deixando ela com tesão em casa. Difícil. Dito e feito, ela não tinha ovos. Decepcionada, não deixei transparecer a frustração, mas não aguentei quando no outro dia pela manhã ela apareceu com ovos mexidos no café da manhã, dizendo que os havia encontrado no fundo da geladeira. Poupe-me, dali em diante nunca mais falei com Luiza.