“Como Ser Racista em 10 Passos” (2018) – Por Aline Wendpap
Como Ser Racista em 10 Passos. Direção: Isabela Ferreira. País de Origem: Brasil, 2018.
O curta, de nome sugestivo, concebido e dirigido por Isabela Ferreira, é uma das produções mato-grossenses mais surpreendentes e das mais comentadas em 2018. Primeiro, porque com seu baixíssimo orçamento (visto se tratar de um filme de estudante), a equipe conseguiu desenvolver um produto de qualidade técnica considerável – ressaltando-se a trilha sonora e a fotografia – e, segundo, porque, para além do desempenho técnico, é uma produção potente em suas problematizações, o que cativou crítica e público.
Fato que se expressa pelas vitórias alcançadas, pois venceu os prêmios de “Melhor Ficção” pelo Júri Oficial da III Mostra de Cinema Negro e do júri popular da 17ª MAUAL (Mostra de Audiovisual Universitário e Independente da América Latina), além de destaques em outras mostras e festivais por Mato Grosso e pelo Brasil.
Desde o título temos um indício da forma como o curta se divide, já que apresenta 10 esquetes reveladores de situações corriqueiras e, em sua maioria, bastante constrangedoras, não apenas para aqueles que as sofrem, como também para quem as comete. Vários temas são apresentados, todavia, nenhuma questão é concluída, o que dá maior capacidade reflexiva ao curta, exatamente como pretendeu a diretora.
Isabela joga com o público de maneira tão perspicaz, que por vezes parece que os temas estão sendo apenas “jogados no ar”, de maneira aleatória, talvez até sem maiores pretensões, como quem bate e afaga em seguida. Esse jogo, de tratar de assuntos pesados de maneira simplória, gera no espectador uma desconfortante leveza, tal como a da faxineira que é ignorada pela mulher toda paramentada de vestimentas africanas (numa possível alusão à apropriação cultural), mas não está muito aí para isso.
Os entrecruzamentos se tornam mais explícitos ao final, que é quando temos uma dimensão maior das consequências do racismo em nossa sociedade. Na sequência em que vemos as manchetes, o apresentador de telejornal anunciando a morte de um menino negro na favela carioca, e no texto sobre a cor da violência, conectamos instantaneamente as peças e, desde a questão da higiene e limpeza à questão do branqueamento da população mato-grossense, passando por preconceitos arraigados, tais como: um menino, que em uma brincadeira de polícia e ladrão, aponta o mais negro para representar o ladrão, simplesmente porque acha que este “tem cara de ladrão”, verificamos que todos estes fatores “culturais” forjam uma naturalização do discurso racista.
Porém, o discurso do empoderamento negro é um dos trunfos da produção, que em momento algum traz o negro em posição de subalternidade, mas sim ridiculariza, através de elementos como a comicidade, os ângulos e enquadramentos da câmera, os preconceituosos de plantão.
* Eleito pelo Júri Oficial da Mostra o melhor filme na categoria Ficção.
** Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
*** Aline Wendpap é doutora em Estudos de cultura contemporânea, crítica de cinema, mãe do Emanuel e apaixonada pelas artes.