Copa do Mundo – “A Rede” (Coreia do Sul) – Por Felippy Damian
A Rede. Direção: Kim Ki-duk. País de Origem: Coreia do Sul, 2016.
Son Heung-min corre. A bola viaja pelo ar russo. Neuer ainda está no campo de defesa da Coréia do Sul. Neste instante a se perdurar, o goleiro sabe, Son é imparável. O ponta-esquerda dá um tapa e joga a bola para o fundo do gol. Torcedores coreanos têm a sua glória. Brasileiros ressentidos também. A Alemanha combalida, enfim, cai, e cai como cai um gigante, fazendo um buraco enorme no campo. O barulho da queda segue as proporções.
Não é maior que o choro de Son. Dias antes, após balançar a rede mexicana com um gol de misericórdia na derrota por 2 a 1, ele chorou. Não havia misericórdia para Son. A eliminação da Copa deve lhe imputar dois anos de serviço militar. Dois anos. Ainda lhe resta uma chance, vencer os jogos asiáticos, ou o jogador, do tradicional Tottenham, deverá abandonar sua promissora carreira profissional por uma farda. É a tensão entre as Coreias que obriga o serviço militar na parte do Sul.
Em A Rede, Kim Ki-duk se lança no que pode ser considerado seu filme mais político até então. Conta de um pescador do Norte que ao prender a rede no motor do seu barco vai parar na outra margem, a do Sul. A polícia de lá o trata como um espião. Óbvio. A paranoia toma conta. O pescador só quer voltar para sua família com seus peixinhos. Mas é como se no sul da Coreias se perguntassem: o que será essa nova estrela no céu? Uma nova raça de alienígenas, que, superior, está pronta a nos subjugar? Ou seria uma nova produção nuclear de Pyongyang pronta a desabar sobre as nossas cabeças? Torturas físicas e psicológicas se seguem numa trama com diálogos que seriam suficientes para outros três filmes de Kim. Em outros tempos, é claro. O retorno do pescador é tão desolador quanto sua partida. Não há pátria. Não mais.
O jogo entre os opostos evidencia as diferenças entre as Coreias, mas salienta com mais intensidade as suas semelhanças. É basicamente o mesmo rosto que se vê. O mesmo rosto diante de dois espelhos. Relações fundamentadas em cumplicidade e crueldade se estabelecem como de costume nas narrativas de Kim. Faces encantadoras e horripilantes se revezam no espelho. Ao final, a tese apresentada parece nivelar as Coreias pela falta de liberdade. Não há liberdade na ditadura, tampouco no capitalismo. É um filme insentão.
A Rede, esse Dr. Fantástico asiático, poderia muito bem ter ido além no que Kim Ki-duk tem de melhor, ser intimista e violento ao mesmo tempo, e fazer desta violência um recurso poético. Ainda assim, expõe boa parte da complexidade que compõe, para além da pólvora, do urânio e do plutônio, o barril chamado Península da Coreia. O gênero poderia ser o terror e EUA, Rússia, Japão e China, países coprodutores. Um filme com tantas pátrias seria um filme apátrida, como é o pescador e também é o ponta-esquerda.
Son, que usa a camisa 7 e faz 26 anos neste 8 de julho, é perfeitamente parável.
*Felippy Damian. Cuiabano, trabalha em escritório, mas não é escritor. Tem orgulho de ter dirigido os curtas Aquilo que me Olha (2018), Ciranda (2017) entre outros, além de ter tatuado o escudo do Corinthians e uma cena de Um Cão Andaluz no mesmo braço.