Copa do Mundo – “Aquele Querido Mês de Agosto” (Portugal) – Por Felippy Damian
Aquele Querido Mês de Agosto. Direção: Miguel Gomes. País de Origem: Portugal, 2008.
Portugueses e conhecedores do cinema lusitano terão de me perdoar. Eu até queria escolher outro filme do Miguel Gomes. Tabu, por exemplo, é devastador. Qualquer obra do Manoel Oliveira também seria um ato de justiça, mas não há justiça neste texto. A vontade era falar do Pedro Costa, Juventude em Marcha e Cavalo Dinheiro são experiências para além do recomendável.
Mas aqui, aqui e agora, uma Copa do Mundo se faz chamar, e chama o filme mais Copa do Mundo que conheço (e não confundam com os documentários horrorosos produzidos pela Fifa). O filme não é sobre o esporte mais popular do planeta, mas tem natureza estética. Nele não dançam duas dezenas de atletas em alta performance e um CR7 soberano. Nesta disputa, dançam luz, sombras e sons e não atores…. e dançam ao ritmo da música pimba. Se a Copa do Mundo e o verão europeu começam em junho, lá, em agosto, o verão atingiu todo seu esplendor, e a copa já passou. E é sobre esse esplendor que narra o filme mais filme de copa do que qualquer outro filme sobre copas… um filme que atende pela alcunha fofinha de Aquele Querido Mês de Agosto.
Neste híbrido de documentário e ficção, o dito docudrama, uma família de músicos viaja por aldeias portuguesas com sua banda de baile. (Esta linha e meia já dá a noção estranhíssima, e por isso divertida, da possível classificação de gênero do longa: um docudrama musical de estrada). As relações familiares, especialmente o amor bobo entre primos, são uma espécie de linha narrativa que vai se enrolando durante a fita. Existe um elo curioso com Família Rodante, do Pablo Trapero. No meio disso, uma equipe de cinema tenta rodar um filme sobre esses lugares escondidos de Portugal e conta com a ajuda da família protagonista.
A trama da equipe não tem a relevância da trama familiar, todavia contribui suportando a metalinguagem. Esse recurso é fundamental para a aproximação entre público e personagem, logo, a trama familiar, ou as tramas, ganha profundidade com a metalinguagem. E no que diz respeito à memória, o filme expõe suas várias camadas, seus vários filmes. Em cada um deles há algo que não se realiza de fato, que não se fecha em si como uma lembrança que aparece e nos confunde com sua presença.
O caráter musical deve soar familiar aos brasileiros. A música pimba é um estilo extremamente popular. Muito mais no tal do Portugal profundo, é verdade. Lembra sem muita forçação de barra a música brega brasileira, talvez alguma coisa do sertanejo, aquele em algum lugar entre o caipira e o universitário. O título do filme foi retirado do refrão de uma dessas músicas, que eu tive o prazer de ver e ouvir um português cantarolar numa praia algarvia. O homem cantava com uma beleza triste “Meu querido mês de agosto, por ti levo o ano inteiro a sonhar”.
O espírito deste filme é gêmeo do espírito da copa. Espíritos siameses, eu escreveria. Aqui se fala da “vida lazer” com o hedonismo desavergonhado. Leonardo Padura, escritor de O Homem que Amava os Cachorros, sentenciou que não se pode falar do povo cubano sem falar em beisebol e na música caribenha. De alguma forma, não se pode falar da história do Brasil sem se falar em futebol. Até pode. Mas será uma história incompleta e um tanto mais fictícia. E o que é o futebol para os latinos e europeus? Peru e Panamá decretaram três dias cada para comemorar suas seleções a caminho da copa. Portugal para quando o gajo Cristiano Ronaldo se ajeita para cobrar uma falta. Também não se pode falar daquele Portugal de aldeias sem a tal música pimba. O verão em tempos em que o capitalismo cerceia o tempo é uma tábua de salvação. Temporária.
Os melhores jogos da história do futebol mundial não estão na Copa do Mundo. Há vários motivos para isso. Mas a beleza das copas não vem necessariamente de sua qualidade atlética. É sobre celebração. Aquele Querido Mês de Agosto fatalmente não é o melhor filme português, seja lá o que signifique. Há frescor na película. É sobre celebração.
*Felippy Damian. Cuiabano, trabalha em escritório, mas não é escritor. Tem orgulho de ter dirigido os curtas Aquilo que me Olha (2018), Ciranda (2017), entre outros, além de ter tatuado o escudo do Corinthians e uma cena de Um Cão Andaluz no mesmo braço.