Copa do Mundo – “Chance ou Secuestro a Domicilio” (Panamá) – Por Ariadne Marinho
Chance – Los Trapos Sucios Se Lavan en Casa ou Secuestro a Domicilio. Direção: Abner Benaim. País de Origem: Panamá, 2009.
Paquita [sorrindo desdenhosamente]: La vida es una cajita de sorpresa?
Gloria [exasperada]: Pero, algunas sorpresas son decepciones
Geograficamente podemos situar a República do Panamá no istmo que une a América do Sul à América Central. O país, dividido pelo Canal do Panamá, faz fronteira ao norte com o Mar do Caribe, a leste com a Colômbia, ao sul com o Oceano Pacífico e a oeste com a Costa Rica. No início do século XX, o território da República de Panamá era governado pela Colômbia. Em 1904 os Estados Unidos articulam a construção do Canal do Panamá, que veio a possibilitar o trânsito de embarcações entre os Oceanos Atlântico e Pacífico, com a consequente facilitação da navegação e aumento do comércio mundial.
A produção cinematográfica no Panamá teve início em 1915. Contudo, em meados de 1928, as grandes empresas distribuidoras, como a Universal, a Paramount, a Columbia, a Fox, a Warner Brothers e, mais tarde, Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) deslocaram-se da Guatemala para se assentarem na Ciudad Colón, onde realizavam a distribuição internacional para a América Latina. Todavia, isto incentivou alguns investidores a fazer filmes no Panamá, porém sem afetar a produção nacional de maneira relevante. Uma equação muito simples de ser compreendida é a de que o cinema chega como consumo, como entretenimento, mas não é visto como uma indústria para ser desenvolvida, o que também ocorre no resto da América Central. Nesse contexto, intelectuais afirmam que, com a eclosão da globalização moderna, a soberania nacional se encontra enfraquecida. A ideia de um Estado-nação soberano é o que caracteriza toda a política moderna e contemporânea, a ponto de constituir-se como quadro obrigatório da existência social, realidade política por excelência de viés estado-unidense. Como resultado de uma construção territorial e política panamenha, o cinema é instrumento de discurso para constituição da identidade social panamense. Nos decênios de 1970, com a criação do Grupo Experimental de Cine Universitário (GECU), pela primeira vez se realiza cinema no Panamá de maneira sistemática e com apoio estatal. Como quase todo o cinema latino-americano da época, o modelo seguido é o do cinema cubano. Este provoca um grande impacto em alguns pensadores, pelo ineditismo, já que inaugura um cinema contestatário, feito com poucos recursos e muitos diferente daquilo que é para todos, isto é, Hollywood.
A iniciativa se reacende em 2009 na comédia Chance – Los trapos sucios se lavan en casa ou Secuestro a domicilio, do diretor Abner Benaim, que segue o paradigma cinematográfico colombiano-cubano-panamenho que apresenta uma critica ácida e loquaz da desigualdade social gerada pela política imperialista estado-unidense e o neoliberalismo que escravizam o trabalhador panamenho. No longa metragem, as empregadas domésticas Paquita e Toñas, que são constantemente humilhadas pelos patrões, estão envoltas nos elementos que se entremeiam na trama, desde a candidatura à presidência da república do seu empregador (Fernando Gonçalez), cujo slogan é “hombre do povo”, a promiscuidade e futilidade das filhas (as gêmeas) do chefe, o fato da patroa (Glória) ser a personificação da ausência e do niilismo da contemporaneidade e do filho mais novo, de 7 anos, caracterizar o nonsense da sociedade.
O filme denota um estilo distinto de humor perturbador e de caráter questionador. Não obstante, o enredo do filme progride à medida em que o sequestro se desenvolve, a partir de pequenas surpresas que anunciam que o longa de Benaim não é uma comédia tola e sem sentido. O diretor utiliza do dispositivo do humor para levar algumas coisas ao extremo, principalmente os jogos dicotômicos das lutas de classes, a família tradicional e conservadora, a hipocrisia, a tórrida relação da nossa sociedade com o consumo, status quo, questões de sexualidade, a sensibilidade, a ausência e o abandono.
Este longa-metragem não é a obra clássica de Abner Benaim, mas um filme feito com os recursos justos, uma linguagem narrativa coloquial, com trilha sonora típica caribenha, e possui uma composição de cena sempre aberta que permite vislumbrar o ambiente, para, assim, evidenciar o contraste social de países que sofrem com o imperialismo estado-unidense. Basicamente, Chance é impulsionado pelo ímpeto de irreverência da história que conta e de seus personagens. A película traz situações a um ponto de maior confronto, incluindo violência e humor negro.
O caráter de Paquita, interpretada pela colombiana Aida Morales, é o principal peso da trama, em um enredo muito grave, porque o tema do filme não poderia ser outro senão a guerra de classes e as reivindicações dos marginais, sempre oprimidos.
* Ariadne Marinho é graduada e mestre em História. Dedica sua vida ao deus Dionísio e ao leve Tom. Atualmente é uma atenta observadora do cotidiano.