Copa do Mundo – “Contracorrente” (Peru) – Por Caio Ribeiro
Contracorrente. Direção: Javier Fuentes-León e Julio Rojas. País de Origem: Peru, 2009.
Contracorrente é um filme de drama peruano dirigido por Javier Fuentes-León e Julio Rojas. Conta ainda com Tatiana Astengo, Cristian Mercado e Manolo Cardona como a tríplice de protagonistas.
A trama se passa num pequeno vilarejo de pescadores, um lugar à beira-mar rodeado pelas belezas naturais. Há, desde o início do filme, a necessidade de destacar a maneira como as personagens deste local vivem, percorrendo o bar com a presença dos pescadores, a igreja com o sermão do padre que conhece cada habitante da vila, os almoços de domingo onde todos comem juntos, os lares e as fofocas – cria-se ali uma atmosfera provinciana de um lugar que não se deve esperar mais do que tradição, sem nenhum tipo de comportamento desviante. Até o príncipe encantado aparecer.
Há uma pequena alteração na convenção social do lugar quando um pintor se muda para uma casa à beira da praia. Logo, todo tipo de boato começa a surgir com a presença do artista, especialmente sobre sua sexualidade, provavelmente associada à sua sensibilidade na hora de construir seu trabalho.
As escolhas da direção na construção da narrativa são surpreendentes, pois assumem também os riscos, e os superam com primazia. Toda a trama gira em torno de um pescador chamado Miguel, ou Mico, que está secretamente envolvido pelo novo morador da vila, o pintor Santiago. E é aí que o primeiro rompimento surge: Nos primeiros minutos do filme, a personagem antes apresentada como um pescador tradicional – que bebe, fuma e conta piadas homofóbicas – é agora enlaçado junto ao personagem desviante da vila. A construção simples de uma narrativa baseada na tradição passa uma expectativa previsível ao espectador, que espera que a história seja dramática sem muitas coisas interessantes, justamente por se passar num lugar pequeno, sem tecnologia – como se nos lugares mais simples e afastados não fosse possível enxergar algo interessante. Todos esses questionamentos vão sendo derrubados a partir dos giros que o roteiro percorre, a começar pela paixão dos dois homens.
O filme apega-se ainda mais a tradição quando ilustra o ritual fúnebre dos pescadores da vila: um velório no mar. Toda pessoa deve ter seu corpo reclamado pelos que a amam e essas pessoas devem preparar seu corpo para ser jogado ao mar, do contrário, esta pessoa nunca mais irá descansar em paz, ficará como um fantasma vagando na Terra. E é nisto que o filme se agarra para dar outro giro surpreendente, que leva aquele filme “simples” para um patamar extremamente complexo e enraizado nos conflitos da tradição com os desvios. O inesperado-esperado para a vila de pescadores vai se transformando numa trama densa, permeada pelas convenções sociais de cada personagem na tentativa de buscar cada vez mais o seu verdadeiro eu, lutando contra todo tipo de amarra e papel social que cada personagem tivesse de interpretar. A fofoqueira da vila tem seu momento de redenção nas cenas finais; a esposa traída defende o marido secretamente; o padre severo dá o perdão ao imperdoável; os pescadores conservadores aceitam o desviante sem medo.
Contracorrente é um filme ambicioso porque brinca com o que não se brinca. Enreda os personagens nas construções sociais antiquadas e faz com que eles tenham que jogar com isso. A trilha presente em raros momentos auxilia os dramas de cada um, apesar de que a maior presença sonora é o mar, que abre e fecha o filme. Assistir ao cinema peruano e os filmes latino-americanos é assistir a ambição e a audácia audiovisual experimentada e executada de forma simples, mas sem faltar nada para a complexidade que se torna presente.
Viva o cinema Peruano!
*Caio Ribeiro tem 21 anos e cursa Ciências Sociais pela UFMT. Trabalha com teatro, cinema, literatura e performance. É autor dos livros de poesia Porão da Alma (Clube de Autores), Colecionador de Tempestades (Carlini&Caniato) e do ainda inédito Manifesto da Manifesta (Carlini&Caniato). Dirigiu o curta-metragem Réquiem Para Flores. É fundador do Teatro Laboratório Experimental e foi membro do coletivo Spectrolab.