Copa do Mundo – “Dennis” (Dinamarca) – Por Wuldson Marcelo
Dennis. Direção: Mads Matthiesen. País de Origem: Dinamarca, 2007.
Alerta! Contém spoilers.
Dennis, de Mads Matthiesen, é o curta-metragem do qual se origina o premiado longa-metragem Teddy Bear, de 2012, que rendeu a Matthiesen uma estatueta em Sundance pela sua direção, além de nomeações ao Bodil Awards e Robert Festival, galardões entregues anualmente para celebrar o cinema dinamarquês.
No início do curta-metragem, de 18 minutos aproximadamente, encontramos o fisiculturista Dennis (Kim Kold, que reprisa o papel em Teddy Bear), em seu quarto, ao telefone, conversando com Patricia (Lykke Sand, estrela da TV dinamarquesa), uma garota que trabalha na academia em que ele treina. Apesar do nervosismo, Dennis consegue convidá-la para jantar. Em seguida, o fisiculturista encontra a sua mãe idosa (Elsebeth Steentoft) na cozinha. Ela faz planos para a noite, jantar porco assado e jogar cartas antes de dormir. Atividades que incluem Dennis. Estabelece-se a possibilidade de um impasse, o que leva Dennis a inventar que irá ao cinema com um amigo, assim, não revelando o seu encontro com Patricia. O clima tenso também é de decepção e reprovação por parte de sua mãe, que desconfia de algo, porém não externaliza sua preocupação, preferindo manter uma oposição velada. A decisão de Dennis aponta para a oportunidade de resistência, de romper um ciclo reforçado com uma frase triste que sua mãe lança com certa constância, “Você está parecido com o seu pai”.
Dennis encontra Patricia. O jantar tem altos e baixos, culminado em uma visita à casa de uma amiga dela, que termina expondo o tímido Dennis a uma situação de objetificação e constrangimento.
O curta-metragem tem em sua estranheza e simplicidade elementos que contribuem para tornar mais aguda, e ao mesmo tempo delicada, a encenação dessa tragicomédia, já que, em uma primeira análise, essa história de disfunção familiar e inadequação social apresenta um protagonista extremamente musculoso, porém de personalidade que expõe fragilidades e uma imaturidade emocional que o deixam vulnerável a uma mãe passiva-agressiva e com sérias dificuldades em interagir socialmente.
A melancolia que acompanha Dennis só se equipara a sua relutância e a incapacidade que tem em segurar as rédeas de sua vida. Um gigante que se apequena diante de divergências e possíveis aborrecimentos, sempre retraído com os olhos para baixo. A sua mãe mostra-se manipuladora e carrega evidentes marcas de um relacionamento abusivo, que, certo modo, Dennis paga pela experiência traumática. Sabe-se que o pai de Dennis era alcoólatra, então, a partir dessa informação, pode-se intuir que violência e domínio psicológico também faziam parte do ambiente da casa. Dennis evita bebidas etílicas para fugir da sina, sentença de repetir os atos do pai.
A aventura noturna de Dennis passa de sopro de esperança à confirmação dos perigos que sua mãe aponta sobre o “mundo lá fora”. Os dois bastam em um mundo brutal e egoísta. A ele, resta moldar o corpo, fazendo-o seu templo, consagrando-o como o único espaço em que é soberano.
Dennis guarda semelhança com o movimento Dogma 95 em sua cinematografia, uso de câmera – na busca da naturalidade das situações – e na opção por não atores. Quanto às atuações, Kim Kold, um fisiculturista profissional, consegue traduzir a insegurança de Dennis e a dependência que sente em relação à mãe. Sua quietude – que esconde alguém que aspira desesperadamente (em seu interior, queimando por dentro) um pouco de liberdade – é comovente. Elsebeth Steentoft faz dessa mãe controladora e cruel em seus silêncios, alguém compreensível e real.
Dennis tem um roteiro que favorece a exploração de seu duo central, o que faz do curta-metragem um estudo de caracteres cativante e triste, apresentando um liame inquebrável pelo que a vida tem de angustiante, frágil e traumática.
A última imagem do curta-metragem guarda uma devastadora surpresa, como representação da rendição final ou da única proteção possível. Dennis é a inescapável tradução de nossas fragilidades emocionais.