Copa do Mundo – “Mr. Nobody” (Bélgica) – Por Ângela Coradini
Mr. Nobody. Direção: Jaco Van Dormael. País de Origem: Bélgica (Coprodução Alemanha, Canadá, França), 2009.
“As variações das vidas possíveis ou as escolhas que não fiz”. Talvez este fosse o título que daria ao texto se me pedissem para escrever sobre Mr. Nobody (2009) em seu viés semântico. Se aceitasse o desafio, talvez optasse pela divagação acerca do personagem Nemo (Jared Leto) e o título se tornaria uma pergunta: “Quanto de vivência e de imaginação carregam as memórias?”. Talvez ainda “o vazio da vida sem a morte” fosse um título adequado para traduzir a ambientação futurística que dá a todos a imortalidade e transforma a morte num espetáculo.
Mas dezenas de textos fantásticos e minuciosos já foram escritos sobre o filme, e acaba que tudo, para mim, em Mr. Nobody, converge um único instante de três segundos. É como se magnificamente o diretor e roteirista belga Jaco Van Dormael em vez de aderir à ideia icônica de que todo filme tem uma cena que o resume, conseguisse isso na frase “tenho medo de não ter vivido o bastante”.
É aqui que este texto então começaria e acabaria, nessa frase. Todo o restante, se eu escrevesse sobre o filme, seria chover no molhado (e eu ainda teria de pedir desculpas aos que não viram o filme, pois teria roubado deles o momento em que ouviriam a frase, da face de 118 anos de Nemo).
Vi pela primeira vez os 138 minutos sublimes de Mr. Nobody por causa de uma lista de pesquisa sobre filmes futuristas. Sentei em frente à tela com caderno e caneta, pronta a pesquisar. Ambientação: futuro mediano com inovação genética. Gêneros: drama, fantasia, ficção científica e romance. Narrativa: não linear, com alternadas interpretações de mundo. Música: do irmão Pierre Van Dormael, que traz condução e fluidez poética… Essas seriam todas as coisas a serem percebidas, mas não deu muito certo.
Lembro que indiquei o filme a um conhecido que me disse ter levado dois dias para conseguir terminá-lo: “Ser Ninguém (Senhor Ninguém) nos revira por dentro”, pensei. É que Nemo, do latim “ninguém”, senta ao nosso lado durante o filme e nos conta três histórias sobre três amores diferentes. E ao invés de nos identificamos com a impaciência e desespero do jornalista que não consegue descobrir quais das narrativas de Nemo é a realmente vivida, é o desassossego da dúvida de Nemo, “Eu vivi?”, que nos toma.
Assim como o personagem Capitão Nemo de Vinte Mil Léguas Submarinas (1870), do escritor Júlio Verner, que tenta fugir das suas ligações com o mundo exterior, nosso Nemo é evasivo das certezas e, ao mesmo tempo, tão detalhista em suas memórias.
Ao final da experiência da obra, não nos importamos se o personagem consegue ou não saber qual das narrativas foi a sua vida. Vivemos todas as consequências com ele. Assim como vivemos, em nossa imaginação, todas as possibilidades das escolhas que não fizemos. Talvez Mr. Nobody seja um exemplo epifânico daquela frase de Ferreira Gullar, “a arte existe porque a vida não basta”. Complemento, uma vida não basta.
*Ângela Coradini. Em caos e café. Ângela Coradini é fazedora de mentiras na Filme Feito Faca e colaboradora no Coletivo Audiovisual Miraluz Films. Jornalista com Mestrado e Doutorado em Cultura Contemporânea, estuda filmes e séries com temáticas de futuridade e fantasmagoria.