Copa do Mundo – “Peau de Colle” (Tunísia) – Por Wuldson Marcelo
Peau de Colle. Direção: Kaouther Ben Hania. País de Origem: Tunísia, França, 2013.
O curta-metragem da atriz, cineasta, diretora de fotografia, produtora e roteirista tunisiana Kaouther Ben Hania tem um ponto de partida bastante curioso e comovente, e que abre espaço para o que o filme tem de engraçado, reflexivo e sentimental. Amira (Yasmine Ban Amara), de 5 anos, está no kouttab – escola primária que difunde um ensino centrado no Alcorão e nas obrigações religiosas –, ela não consegue acompanhar a leitura do livro sagrado, já que não entende os versos. O seu silêncio é percebido pelo professor (impaciente, um tanto ríspido e que, claramente, dá sinais de tédio em relação ao trabalho), que a chama para ficar ao seu lado e ordena que ela repita o mesmo trecho. Amira permanece calada, está constrangida e com medo. O estresse a faz urinar diante da turma, que gargalha eufórica. A vergonha e a algazarra dos colegas levam a criança às lágrimas.
O incidente revela que Amira é vítima de bullying, já que a sua quietude e distração são recebidos com risos que se transformam em troça. A menina vive com a mãe, Mounira (a atriz, diretora e roteirista Shiraz Fradi) em um pequeno apartamento em Túnis. Amira dorme com a mãe, temos a sensação que o pai está em falta – adiante, descobrimos que ele faleceu, e esse é um dos motivos para a tristeza que a sagaz menina vez ou outra deixa transparecer. No dia seguinte à cena vexatória, Amira manifesta o desejo de não ir ao kouttab. Mas os argumentos que apresenta e a resistência que impõe não são suficientes para convencer a mãe. Então, Amira tem uma ideia: colar a sua mão no braço da cadeira. O gesto origina situações dramáticas e cômicas, conduzidas com delicadeza por Kaouther Ben Hania.
A ida ao hospital é hilária, em que Mounira e um vizinho carregam a menina de um lado para o outro na cadeira e uma outra criança ao presenciar a cena pede para a mãe levá-la da mesma maneira, e na escola, Amira se diverte, fingindo precisar ir ao banheiro. Porém, o artifício da menina para evitar o bullying ocasiona maior tristeza a ela, quando os colegas a cercam e chamam-na de “mão de madeira” (Wooden Hand, o título que o curta-metragem tem em inglês). É um episódio violento (pois ela está desprotegida e em desespero), em que Amira não consegue se movimentar, portanto, desvencilhar-se de seus agressores, sendo resgatada pela intervenção do professor. Mas não há punições, e Amira é enviada para casa.
Dois outros aspectos a ressaltar são como é sentida a ausência do pai, e como a sua morte e a mentira dos adultos ao tentar esconder o fato reverberam na criança, e o afeto entre mãe e filha, que precisam seguir em frente.
A menina Yasmine Ban Amara é adorável – ainda que seja aparente a sua dificuldade com as falas mais longas –, convincente ao transmitir a esperteza e os temores de Amira, uma vítima de bullying, cujo pai morreu recentemente, e que sofre com as exigências do kouttab (uma crítica social perspicaz de Ben Hania). Também a fotografia é marcante, trabalhando com vivacidade as cores, o que contribui para entender os sentimentos da personagem.
Peau de Colle é um curta-metragem agridoce, mas bem-humorado, inteligente e que mostra como um gesto inocente (porém, arteiro) pode tomar proporções imprevistas e trazer mais consequências desagradáveis que evitá-las. Mas, no fim, a travessura de criança existe/resiste. Amira engendrará outras peripécias.
Kaouther Ben Hania tem no currículo dois longas-metragens que receberam aclamação da crítica em festivais de cinema ao redor do mundo: Le Challat de Tunis (2014) e Zaineb Hates the Snow (2016).