Copa do Mundo – “Phyllis” (Nigéria) – Por Wuldson Marcelo
Phyllis. Direção: Zina Saro-Wiwa. País de Origem: Nigéria/ Reino Unido, 2010.
A Nigéria, localizada na África Ocidental, possui algumas singularidades que a destacam neste mundo globalizado. Chamado de “o gigante da África”, o país é o mais populoso do continente, o sétimo em habitantes no planeta, o oitavo maior exportador de petróleo e, além disso, a sua cinematografia ocupa o terceiro lugar do ranking em relação aos países que mais lançam produções audiovisuais anualmente, ficando atrás somente da Índia (Bollywood) e dos Estados Unidos da América (Hollywood).
Nollywood, assim é conhecida a indústria cinematográfica da Nigéria. A maioria dos filmes produzidos é falado em inglês, mas parte das obras gravadas chegam ao público pelos idiomas locais, a saber, yorubá e hausa.
O cinema na Nigéria é de baixo orçamento, com mais de 1000 filmes por ano, e a sua principal preocupação é chegar ao maior número de pessoas. É um cinema feito para o povo (que alcança a elite econômica do país), cujo popularidade cresce gradualmente. O setor da economia, que somente emprega menos que a agricultura, tem no home vídeo sua principal fonte de lucro, pois, na Nigéria, existem poucas salas de cinema. Além de popular, o cinema é uma diversão caseira.
Neste cenário, que gera empregos e se mostra uma excelente fonte de renda (apesar de não haver incentivo público para produzir cinema), temos o curta-metragem Phyllis, a crítica arguta e feroz de Zina Saro-Wiwa, uma videoartista, fotógrafa e cineasta nascida na Nigéria em 1976, filha do escritor, poeta, produtor e ativista ambiental Ken Saro-Wiwa (que foi executado em 1995 pelo regime militar instituído no país).
Saro-Wiwa trabalhou como jornalista na BBC e hoje mora em Nova York, e, em 2010, foi curadora da Sharon Stone em Abuja, onde seus filmes alt-Nollywood foram exibidos. Alt-Nollywwod é um movimento que consiste em subverter as convenções que sustentam as obras de Nollywwod, no que diz respeito às narrativas, estilos e visuais.
O movimento não é apenas de contestação ao que Nollywood produz, é político na medida em que observa e contesta o que o alimenta e os efeitos que provoca. Em Phyllis, Zina Saro-Wiwa mostra como os filmes “nollywwodianos” retratam a mulher e a recepção dessas obras por elas.
Phyllis apresenta uma personagem, que mora em Lagos, capital da Nigéria, obcecada pelos filmes de Nollywwod, sua figura lembra a de alguém vampirizada (ou de alguém em estado de possessão espiritual), que, mais tarde, parte ela mesma para vampirar outras mulheres (Phyllis vende perucas, o que parece conceder algum poder a ela, já que quando uma cliente deixa-se seduzir por um de seus produtos, pode-se perceber que seu ânimo se altera, identificando-se com o de Phyllis, enquanto a jovem se fortalece). Além do modo como essas obras representam à mulher nigeriana, especificamente as solteiras (que são chamadas no país de “mulher rebelde”), Saro-Wiwa mostra o cristianismo enraizado no seio da população, que reflete na maioria dos filmes made in Nigéria (apesar do país ter a maior comunidade de muçulmanos na África). Em Phyllis, vemos um artificialismo que serve como contraposição à uma luta para se constituir – em busca de algo mais essencial – em um ambiente que a bombardeia com diversas realidades, e, em Nollywwod, ela encontra (é cooptada/sugada) uma fonte de referência – que acaba por gerar um padrão e distorções.
Phyllis acorda e logo um revirar de olhos nos comunica sua condição de encanto, enfeitiçamento e/ou abdução pelas convenções sociais transmitidos pelos filmes nollywoodianos. A casa dela é repleta de pôsteres e fotografia de Jesus Cristo. Saro-Wiwa cria uma atmosfera em que o Ocidente invade a intimidade de sua audiência, o movimento que ocorre é da própria Nigéria, com filmes falados em inglês (são esses que Phyllis vê em sua TV enquanto almoça, por exemplo) e suas imagens avigoram um fascínio pelo comportamento e cultura ocidentais.
Saro-Wiwa usa a peruca, diversas delas, recorrente nos filmes de Nollywood, para representar essa imposição ao público feminino nigeriano (não apenas em relação à ocidentalização, mas também a uma composição social que dita e julga o comportamento das mulheres), e como influencia as jovens do país, que buscam se moldar ao padrão de beleza que as obras exibem e reforçam continuamente.
Nos 15 minutos de Phyllis há um instigante passeio pelos tipos de filmes que se produz em Nollywwod, mais notadamente o sobrenatural e o City Girl (de garotas que chegam à cidade e enfrentam dilemas e obstáculos). Vale dizer que Zina Saro-Wiwa reconhece o valor e as façanhas da indústria cinematográfica nigeriana, o que a preocupa e trata em Phyllis, de maneira comovente e surreal (e psicológico), é como muitos dos seus filmes representam as mulheres, separando-as entre boas e más, sendo que as que usam peruca, unhas postiças e caracterizadas pelo exagero são as que trazem traços “censuráveis” (as sedutoras), enquanto as que se vestem tradicionalmente e têm os cabelos traçados estão do lado da virtude (as castas).
Phyllis é um curta-metragem com metáforas visuais que não se esgotam à primeira vista. É um filme que usa Nollywood para mostrar a faceta contestatória do cinema, um cinema engajado, capaz de fortalecer às mulheres (em especial, as africanas), levando-as a uma relação crítica com o que assistem e com o que realizam.