Dez poemas de Chris Herrmann
Chris Herrmann é escritora/poeta, musicista, editora, tradutora, webdesigner carioca, radicada na Alemanha desde 1996. No Brasil, estudou Literatura, Música e Webdesign. É pós-graduada em Musikgeragogik na Alemanha. Organizou e participou de diversas antologias de poesia no Brasil e no exterior. É autora dos livros de poesia Voos de Borboleta, Na Rota do Hai y Kai, Gota a Gota, Cara de Lua, dos romances Borboleta — a menina que lia poesia e Peccatum, e de minicontos, Entre Amoras e Amores. Tem poemas publicados (em algumas também colaborou como autora) nas revistas eletrônicas Algo a Dizer, Zona da Palavra, Blocos Online, Revista Plural Scenarium, Mallarmargens (colaboradora), Germina, Ruído Manifesto, Revista Caliban, Escrita Droide, Gueto, Obvious, Literatura & Fechadura, Mirada, entre outras. É editora da Revista Ser MulherArte. Sua Revista recebeu em maio de deste ano o Prêmio Excelência e Qualidade Brasil 2020 e Chris, a Comenda por Serviços Prestados à Arte, pela Associação Brasileira de Liderança, São Paulo. Em setembro, também deste ano, recebeu o Prêmio Destaque Internacional de Literatura Brasileira (pelo voto popular), e desde então, faz parte da AILB – Academia Internacional de Literatura Brasileira – em Nova Iorque, tendo como sua Patronesse a escritora Lygia Fagundes Teles. É também membro da ABI Inter – Associação Brasileira de Imprensa Internacional, com sede em Orlando, na Flórida.
***
O tridente
como um tridente
espetando o céu
começaste
a ferir e sangrar
nossos sonhos
: jogá-los no olho
do furacão
agora só nos restam
olhos de nuvens
paisagens cinzas
acostumadas
às tempestades
e aos ventos frios
da solidão
*
Felina
com olhos faiscantes
e lábios de mel
ela o fascina
você a beija
e a sussurra
doçuras
com manto de fogo
e corpo ardente
ela o arranha
vocês se assanham
envoltos por labaredas
vocês se incendeiam
gritam e se gozam
infinitamente
enquanto dure…
…a não descoberta que:
as suas mãos
não passam de patas,
embaixo da sua cama
há outras gatas,
por detrás das suas
falas de amor
só havia garganta
então ela o deixará,
continuará gata
e você, anta
*
Paisagem
agora ela dormia, depois de resistir
a mais um dia e uma noite de agonia
agora, nem o cheiro da cachaça
e as humilhações do marido a doíam
durante aqueles minutos infinitos
era como se não tivesse sofrido
os seus desmandos, seus urros
seus medos, murros, muros
e covardias
Maria tinha o sonho de um lugar
de um tempo que nunca esteve
de uma paz que nunca viveu
era toda sua aquela beleza
aquela vegetação, aquele silêncio
aquele céu e aquela ponte
que tornava possível os delírios
mais distantes
era todo seu aquele caminho
ao lado do rio e por isso
Maria sorria com aquela imagem
tão bela como uma tela pintada,
tão bem retratada como fotografia
tão carinhosa como a paisagem
de um afago que a maldade
não conhecia
(só Maria)
*
O banco
o banco daquele jardim
testemunhara doçuras
agruras lamentos sorrisos
anseios de ricos
e pobres
permitiu-se cobrir
de folhas secas
como meus olhos
de outono
de pétalas de jasmim
das primaveras
que não festejei
naquele banco
coube um universo
de sonhos
que eu desconheço
só não cabe nele
o imenso vazio de mim
*
Flor da pele
enquanto as couraças
se distraem com as certezas
a pele se arrepia
com as dores dos ventos
na linguagem dos moinhos
subcutâneos
e o corpo se levanta
pela única certeza
de que ainda se espanta
com a tez das flores
*
Muda
nunca tive a certeza das árvores
vi minhas raízes crescerem
nômades, avançar rios, lágrimas
cachoeiras sem eira nem beiras
fazer cabo de força de mim
entre continentes e oceanos
nunca tive a certeza dos troncos
mas a dos trancos e barrancos
das tempestades sem fim
a certeza, eu aprendi
foi com a muda
que teve a planta dos pés
queimada
e as folhas arrancadas
por outonos atrevidos
a muda me ensinou a falar
para sobreviver
à próxima estação
me ensinou também
a ter a certeza
de que tudo
muda
*
Epitáfio
aqui jaz um punhado de palavras
inspiradas nas flores das pedras
colhidas dos caracteres da alma
impressas nas folhas do tempo
de louros ora a ferro e fogo
borrifadas com essência
de jasmim
*
Eufêmica
quando pintar
a saudade
me lembra
de te esquecer
fazer dessa dor
um eufemismo
ser flor da pele
que jaz mim
sumir num quadro
de Renoir
e me diluir no
impressionismo
*
O tempo
o que me assombra
não é o tempo que perdi
reverenciando inutilidades,
nem a imagem refletida
que tiveram de mim.
me assombra é o tempo,
o que se perdeu na carcaça,
que me fez caça e prisioneiro,
que não mais me serve.
mais ainda me assombra
não é a sombra que eu era,
mas a que ficou vazia e só
nas águas de um tempo ido.
*
Os florais de Bárbara
na alma
rosa de hiroshima
no coração
magnólia
nos olhos
erva-doce
na boca
dente-de-leão
no palco
comigo-ninguém-pode
nas mãos
as palmas