Dois contos de Juan Manuel Terenzi
Juan Manuel Terenzi (1982), natural de Ribeirão Preto (SP) e criado em um entre-lugar Brasil-Argentina. Formado em Engenharia Química, Letras Espanhol e Filosofia. Atualmente reside em Florianópolis e cursa doutorado em Teoria Literária (UFSC), estudando a obra de Samuel Beckett. Pesquisou no arquivo Beckett na University of Reading (Inglaterra) como bolsista PDSE da Capes. Membro do corpo de tradutores da revista LONGITŪDINĒS (Inglaterra). Traduziu ensaios e artigos acadêmicos de Mario Perniola, Anthony Cordingley, Chiara Montini, Lucas Margarit e Daniel Filmus. Publicou poemas em revistas como Mallarmargens, Ruído Manifesto e Zunái.
***
AXIOMA
Esticou o braço e se esqueceu de que já era tarde. A foto por trás do abajur estava queimada, o sorriso havia sido danificado, mas a mariposa conservava em si o ímpeto de sobreviver. Suas asas cinzas, suas asas carbonizadas, suas asas sem sexo ainda buscavam alguma esperança. Em vão. A foto, porém, lhe trazia de ontem, de anteontem, da semana passada, do mês passado, apenas o que já fora. Fora disso, um sorriso queimado, uma metade revelada em insones madrugadas.
Seu nome, apagado. O dela, ainda preso em seu cadeado. Junção efêmera, como uma equação que ansiosamente procura o resultado de ambos os lados para tornar o símbolo de igual uma verdade perene. Os axiomas são pilares que supostamente resistem, apesar do constante mar salgado que os arrebata e os oxida. Os axiomas por vezes oxidam. E em seu braço esticado buscou completar o que o fogo levara com a sua memória queimada pelo transcurso do tempo. Queimada por quimeras que o assaltam constantemente nessas noites exaustas de si mesmas. Acorda às 6h, apenas seu pensamento. Seu corpo, quem saberá se ainda acorda. O braço esticado é apenas complemento ausente da sua memória.
Não falemos apenas desse braço, dessa foto, dessa mariposa e desse abajur. Necessário percorrer o caminho que ela trilhou. Sua luz apenas perceptível fermentava histórias em vias de ebulição. A cada palavra, curta que fosse, isenta de sílabas e de saliva, intensificava a vontade de saber o resto. Que resto? O que resta de alguém, o que resta de uma equação irreal? Rostos e restos, riscos e ruídos são sempre evanescentes, cúmplices fiéis da matéria falha.
Esticou o braço e se esqueceu de que já era tarde. A foto por trás do abajur estava queimada, o sorriso havia sido danificado, mas a mariposa conservava em si o ímpeto de sobreviver. Suas asas cinzas, suas asas carbonizadas, suas asas sem sexo ainda buscavam alguma esperança. Em vão. A foto, porém, lhe trazia de ontem, de anteontem, da semana passada, do mês passado, apenas o que já fora. Fora disso, um sorriso queimado, uma metade revelada em insones madrugadas.
*
NOSSO NÓ
Não havia mais hora para acordar. Após a demissão, sua saúde o desafiara, os cigarros viviam acesos em sua boca. Sua solidão o colocara definitivamente naquele beco. O telefone não tocava, as mensagens não chegavam. Sua vida naufragava. Ainda assim, comemorava. A degeneração de sua vida não lhe causava espanto algum, talvez até o contrário, pois podia observar que os curtos anos que até entao vivera estavam marcados por fissuras. Se puséssemos os seus trinta e sete anos em uma carta geográfica veríamos inúmeras placas tectônicas, mares revoltosos, incêndios, furacões arruinando ilhas, enfim, o que sempre sucede, o que jamais cessa de fissurar algo supostamente íntegro.
Aqui chegamos ao que nunca. Aqui chegamos ao que espelha e reflete as ausências. O nó firme da identidade se desfaz, porque jamais se fez. E quem escreve é o revés da palavra, e esta convida aquele ao banquete da sua dúvida. Assumir a demissão, permitir ao sono ingressar no marasmo das horas inúteis, todas aquelas que excedem o limite das oito horas diárias. A demissão consome. O sumiço do corpo, meu, teu, dos outros, assume a pesada carga de ser o mártir desse princípio tão antigo, tão teimoso.
Mas devemos também aplicar o antes dito a ela. Surgiu tão breve como sua vontade de estar. Demitiu um corpo de outro, ofereceu sua saliva seca para enganar as fissuras. Em vão. Elas estavam marcadas pelo sempre, pelo desejo de se manterem atentas à distância. Fissura é isso, fissura não apenas é falha, fissura é fala que cala a permissão de estar próximo.
Não havia mais hora para acordar. Após a demissão, sua saúde o desafiara, os cigarros viviam acesos em sua boca. Sua solidão o colocara definitivamente naquele beco. O telefone não tocava, as mensagens não chegavam. Sua vida naufragava. Ainda assim, comemorava. A degeneração de sua vida não lhe causava espanto algum, talvez até o contrário, pois podia observar que os curtos anos que até entao vivera estavam marcados por fissuras. Se puséssemos os seus trinta e sete anos em uma carta geográfica veríamos inúmeras placas tectônicas, mares revoltosos, incêndios, furacões arruinando ilhas, enfim, o que sempre sucede, o que jamais cessa de fissurar algo supostamente íntegro.