Dois poemas de Ana Carolina
Ana Carolina é estudante de Comunicação Social na UFMT. Atua em coletivos desde 2017 quando fundou, junto a colegas de curso, o coletivo Salve Filmes, com o qual realizou seu primeiro documentário, em 2017. Slam: Rua e Resistência foi premiado na 17ª Mostra de Audiovisual Universitário da América Latina (MAUAL) como melhor curta documentário, pelo júri oficial e exibido no Slam Campão (MS), Slam Nacional em Dupla (DF), entre outros espaços públicos. A partir daí, a realizadora audiovisual passou a se aproximar do movimento do Slam em Cuiabá, a escrever poesia marginal e competir nas batalhas. Hoje é apresentadora do Slam do Capim Xeroso. Ana também é diretora geral e atriz no grupo Cena Livre de Teatro, onde criou um núcleo de mulheres e estreou o espetáculo sobre feminicídio Contidas Nunca Mais, na II Mostra de Artes Cênicas Cena Livre. Como realizadora audiovisual produziu curtas metragem, vídeos-performances, clipes, campanha de moda, entre outros conteúdos junto com o coletivo Salve Filmes.
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Filhos do Agronegócio
Oi, oi você aí nessa bancada
Olha, olha bem pras suas mãos
Elas tão sujas de sangue e não é de hoje não!
Isso é coisa de família
Sua herança é chacina
Terras invadidas!
Filho do agronegócio
Você tá é iludido
Desmerece a vida dos outros olhando só pro seu umbigo
Mimados com Disneylândia, coisa importada
Geração educada pra empreender até a mãe natureza
Em troca de comida gourmet, Hilux, e todos os hectares que conseguirem concentrar
Se acham tão inteligentes com papo de empreendedorismo
Vocês querem luxo e nos sobra no lixo
Filhos do agronegócio é de vocês que vamos cobrar
Os impactos das usinas que não poderiam estar lá
As terras indígenas que hoje são monocultura
E todo pedaço de terra pretendida
Pra concentração de morte
O agro é pop blábláblá
São tantas mentiras
Nóis não come soja
Vocês querem explorar
Até ver o osso
E nem o SUS querem deixar ficar
Vocês tão mesmo é cheio do querer
Já está entendido que democracia não vai resolver
Meu contrato com o Estado foi desfeito há muito tempo
Vocês passaram dos limites
Bancada do agronegócio, vamos desbancar
Nesse país justiça tarda e é falha pra quem é gente como a gente
Então vamos nos organizar
É tão difícil acreditar
Seus ancestrais asfaltaram nossos rios
Pra construir shopping e condomínio
Campos de concentração pra consumismo
E vocês, vocês tacaram fogo na Amazônia
Criminosos
Sua pena qual será?
Quem vai julgar sua sentença?
Vamos nos organizar
Pra cobrar
E aos verdadeiros preservadores da terra e da água
Reivindicar proteção
Voz aos povos tradicionais
Pra que nos guiem nessa revolução
Revolução diária
Chega de passar pano pra exploração
Agindo como se todo dia fosse só mais um dia comum
Agora eu vou dizer a minha sugestão
Passou da hora de nos armarmos com britadeiras
Arrancarmos o asfalto
Exterminar os estacionamentos
Quero ver argumentos
Que me convençam
Que o piche do petróleo é mais importante que a reforma agrária
Agora sai fora que eu ocupei
E esse espaço não é mais de empresário
Aqui não entra mais carro!
Todo poder ao povo brasileiro
Pra refazer sua história
Pra resgatar no fundo da memória o que está reprimido nas sombras da ditadura
Vamos dar nomes aos bois
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Transbordar
É sobre tudo isso e muito mais
Acreditar que não é capaz dói
Não bastasse o cansaço
Diário
Um sorriso no rosto é esboço
De um sofrimento contido
Denunciado no olhar perdido
Envolvido por olheiras
Franzidas
Por conta de um sorriso no rosto
Sorriso extraído
Sorriso exigido de quem tem vontade de chorar
Sorriso
Sorriso pervertido de quem ri querendo chorar
Olheiras, de tão profundas
Acumulam lágrimas no final da noite
Às vezes, durante o dia
Quando se tem a ousadia de sentir compaixão
Sair do modo automático
Pensar alguma solução
Mas num piscar de olhos lá se foi toda uma vida
E sonhar
Na mesa nunca colocou comida
Essas ideias mirabolantes de construir revolução
Acende no peito e depois vem o apagão
Acreditar que não é capaz
Não faz isso não
Não tenha ideias suicidas
Que, sentindo-se perdidas
Transformam-se em lágrimas
Sem rumo, decidem se jogar olheira abaixo
Salgado é o gosto da desilusão
De quem sorri querendo chorar
O sorriso é amigo
Mas também é traiçoeiro
Venha tudo a meu reino
E não seja feita a sua vontade
Ideias
Ajude elas a sobreviver
Alimente-as com ousadia
E não sorria
Querendo chorar
E esse é só o primeiro passo
Acredite na sua tristeza
Não é em vão pode ter certeza
É adubo pra transformação
Paciência
Esse choro contido
Arde a garganta
Queima o peito
Machuca o coração
Sorriso hipócrita
Extraído por uma sociedade acostumada a ignorar
A felicidade existe em poder chorar
Olhando no olho de quem sabe compartilhar
A dor de tanto sentir transbordar