Dois poemas de André Edson
André Edson de Souza Cruz. (São Paulo, 1998). É estudante de direito (USP) e assíduo procrastinador. Tem participação com poemas na Antologia Jovem Afro (2017) editora Quilombhoje. Escreve no blog: https://dezcarte.blogspot.com/
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Missa
Não foram sinceros acerca da eternidade
nem sobre quão lento o tempo
corre aqui dentro do templo
Diante do altar ao lado das velhas segurando velas
Quem derreterá primeiro?
Uma hora basta para desmanchar perante a cruz
e subir como fumaça tediosa na cerimônia honrosa
Nada que se preze para lembrar da catequese
que não seja a agitação conturbada de crianças no altar se reunindo
para mastigar os despojos de um cadáver lamber suas feridas e festejar
sobre os retalhos sorrindo
Antes aos sábados agora no domingo
Não somos sinceros nem desejamos ser
Dois anos em uma hora durante dois anos
Assim como em monocromáticos sonhos
Ar triste calor bege cheiro de fogo cansaço herege
Em meio a morbidez sono
O sermão cria a silhueta
que evapora com chamados sem dono
Inanimados como gárgulas à espera do capeta
Todo dia é sétimo dia nas casas de antropofagia
A heresia vem de mim e dos cardeais em nossa civilizada selvageria
Disse o padre que desconhece vírgulas e pontos finais
*
Café da manhã
Inflamado em morbidez
Prepara-se sobre a mesa
E devora
o pão francês.
Aproveita com frieza
Quelíceras e patas,
E empurra goela abaixo
Os miolos com destreza.
Grunhindo em língua-sapiens
Invoca um garçom,
E farta-se de toda matéria que sua peçonha possa extinguir.
Com a graça única
A artrópodes concedida,
Livra-se, das migalhas
freneticamente,
Agitando, os dedos.
Com cobiça
Fita a bebida,
Como se fosse
Essencial à vida.
E a negrura pura
Do café fulgura
Na cor escura
Dos olhos da criatura.
Em estado moribundo,
Bebeamanhãvaporosanumsegundo,
Mas
en
gas
E a garganta ras – ga
Ao escarrar o pus
Da manhã sem luz.
Ainda esfomeado,
Da sombra teima em sair,
Mas o tempo é escasso
— precisa partir.
Então
(Para não estragar o disfarce),
Balbucia uma oração.
Paga a conta e sai,
Humanamente vivaz,
Rumo ao escritório