Dois poemas de Divanize Carbonieri
Os poemas “A barca” e “Bagaço” de Divanize Carbonieri foram finalistas do Prêmio Off Flip, respectivamente nas edições de 2018 e 2019. “A barca” foi ainda publicado na coletânea do prêmio (https://www.amazon.com.br/Colet%C3%A2nea-Pr%C3%AAmio-Off-Flip-Literatura-ebook/dp/B07M8WCST5) e no livro Grande depósito de bugigangas (Carlini & Caniato, 2018, https://carliniecaniato.com.br/produto/grande-deposito-de-bugigangas). “Bagaço” integrou a edição #49 da Quinta Maldita “Literatura & Crise” da Rádio Desterro Cultural (Florianópolis), em parceria com a equipe da Ruído Manifesto (https://www.youtube.com/watch?v=qgiJNp6IurQ).
***
A BARCA
à sobranceira ribanceira arriba a barca reluzente
de Caronte em busca de carmáticos espíritos deambulantes
erguidos bruscamente das macas dos paramédicos
nas ambulâncias após a parada dos desfibriladores
com esparadrapos grudados nos orifícios traqueostomizados
encontram-se descamisados sem maletas nem trocados
para bancar a peregrinação derradeira e traumática
o barqueiro descarnado escaneia o espectro de todos
rastreando crimes e méritos de que estejam abarrotados
o que for arrolado acaba descontado como saldo ou débito
para esses desgraçados de aspecto e destino turbulento
porém nem sempre é equânime o montante aferido
há quem seja escarnecido e sua pretensão desmerecida
mesmo tendo sido mansos e cordatos como carneiros
inofensivos sobremaneira serão ignorados e preteridos
por outros menos dignos mas mais espertos e esfuziantes
conduzidos em primeiro lugar na nave à segura margem
enquanto seus pares são deixados para trás indefinidamente
a morte também é fortuna seletiva para a gente humana
não são todos recolhidos do sofrimento da persistência
muitos não poderão jamais atravessar rumo ao nirvana
*
BAGAÇO
a mandíbula mastiga a grossa fibra
do filete da cana madura até o bagaço
cospe a massa seca na capa asfáltica
com olho baço de saudade fácil
macera o fumo picado sobre a folha
bagana pouca para tanto desassossego
eterno engasgo na glote estreita
que o extremo mourejar nesse ermo
não afugenta pelo campo afora
eito de tormentas colhidas a facão
o rango frio foi engolido rápido
que a lida ainda dura margeando
a noite serena riscada pela foice
ceifa de vida vindima de fenecimento