Dois poemas de Douglas Pompeu
Douglas Pompeu é tradutor e escritor. Traduziu para o português a primeira seleção de poemas de Kurt Schwitters, Pra trás e pela frente primeiro (2018), assim como Variações sobre tonéis de chuva (2019) de Jan Wagner e Passeios com Robert Walser (2020) de Carl Seelig. Atualmente vive e Berlin, onde edita a revista alba e trabalha em seu projeto Biografia de Fábrica. Uma de suas histórias foi publicada na coletânea Lingua Franca (Art In Flow, 2019) e seus poemas foram apresentados em leituras como Ex-Salón, Latinale e no Poesiefestival Berlin de 2019. Mantém o blog: http://glaspo.tumblr.com
Os dois poemas abaixo integram o livro inédito notas com picote e grampo.
***
lições de estátua: um drummond
assim você o descobre: pela postura
de quem se inclina menos a pensar
do que a ouvir dum amigo as últimas
notícias. e como perde o olhar num
ponto fixo da rua, você suspeita,
o roncar dos automóveis, o zumbir
interior dos edifícios recordam-lhe
as ondas de um naufrágio irreversível,
que mesmo hoje, por fim em terra
firme, com manobra alguma evitaria.
como sequer o corpo evita a dobra
de alguém que escuta atento (a cisma
é sua) não o mar às suas costas, mas
o esfolar diário dos vivos na avenida.
é ali que assiste a glória chegar tarde
para as cinzas, que logo se conforma
ao furto de seus óculos – ninguém
lhe enviará cartas, não sairão críticas –
e se dá conta: à sua volta se reúnem
apenas sobras, entulhos de um futuro,
no qual o plástico é a alegria coletiva.
você o toca. mas já não há surpresa,
choque ou calafrio capaz de desatá-lo
do minério, içar a âncora do enigma
sobre como acabou à margem
do asfalto e não da espuma. sofra
chuva, faça estio e o sereno caia,
seguirá sendo presa, alvo de avarias,
como se lugar nenhum no mundo
fosse mais seguro que a armadilha.
*
roteiro em três passos para abrir um sorriso
I
em primeiro lugar se desfaça
de qualquer idéia ou motivo.
aceite que sorrir é forma,
trabalho e distância, a prova
dos nove na equação que
resulta da soma: tragédia +
tempo. um sorriso perfeito
precisa mais que de humor,
necessariamente de ânimo,
postura para que se apure
a boca, se assanhe os dentes,
certifique-se de cada músculo
na busca de um rosto afeito,
que não caia no ridículo,
na risada que o suplante. saiba:
sorrir não deve ser a válvula
de escape do rosto, mas chegar
sem pressa, sem esporar
mandíbulas, para sumir nova-
mente infalível com a cautela
de um cão ao abanar o rabo.
II
dicas para um sorriso infalível:
imagine-se em situação de perigo
visto em terceira pessoa, não
leve ameaça ao foro íntimo,
sorrir não deve ser dívida,
mas servir de fatura, bônus
para um outro. neste ponto,
segure o hálito: não respire até
nos lábios vibrar um alento
de caça, a ânsia de que o rosto
se rasgue, se escancare e, se
possível, provoque uma cãibra,
destile encantação pelo riso.
mas não se entregue no ato,
resista (pelo que restou da alegria)
à tentação de lançar o menor
dos alardes e acordar o fauno
que de você se arrasta e relincha.
III
um sorriso exemplar regis-
trado em fotografia: bandeira,
talvez flagrado aos 40,
a cabeça apoiada nos punhos,
apenas dois dentes à mostra
e o losango cáqui do nariz
à boca: seu sorriso range,
acusa as dobradiças da porta
avisando a noite: pelos fundos
corre um fugitivo. é a lua?
não só seus olhos, nele tudo
é incisivo, circunscrita
sua alegria pendura-se
em cada orelha: pra bandeira
não há calços num sorriso,
somente o risco de prender
no ato um dedo, o tornozelo
ou a língua no deslize
de manter-se sorrindo,
sem recuos, na formação
muscular da quadrilha.
Vera Lucia pompeo
Amo poesia parabéns querido sobrinho você sempre a brilhar com seus poemas desejo tudo de bom pra você Douglas