Dois poemas de Leandro Noronha da Fonseca
Leandro Noronha da Fonseca é jornalista e escritor. Mestrando em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS. Especialista em “Mídia, Informação e Cultura” pelo CELACC/ECA/USP e autor da pesquisa “HIV/Aids e narrativas pós-coquetel na poesia contemporânea brasileira”. Artista-criador do Coletivo Contágio (@coletivoconatagio).
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neste manual você encontra muitas dicas importantes
primeiro passo:
desdobrar a vida em várias partes
lentamente em silêncio
encarar as rotas / aceitar as fugas
para descobrir no abismo
o recanto do silêncio
segundo passo:
recortar letras e figuras, acessar
os arquivos (da memória)
com a ponta da tesoura fazer
pequenos furos para ventilar
o novo e o belo
terceiro passo:
ao perfurar/cortar as mãos
não esconder o urro
observar a cesura como se fosse um portal
lavar para deixar o futuro
costurar novas pontes
quarto passo:
não ter asco nem medo do que flui
deixar o percurso das coisas
tênue e verdadeiramente
desabar sobre a cama
macia vontade de ser outro
quinto passo:
esticar os braços de forma que
caibam outros braços
no centro de um abraço, um aperto:
ouvir a respiração do outro
pássaro, vento, sinfonia
sexto passo:
não ter a solitude como oriente
mas como meditação
saber o que do outro falta
para encontrar em si
mesmo repouso e calma
sétimo passo:
deslizar a língua pelo céu
da boca fazer mel e estrelas
deixar que todas as palavras
encontrem luz,
redenção e desejo
oitavo passo:
preencher o próprio peito
de vida, não temer os encontros
saber da certeza de tudo aquilo
que finda e também
anuncia.
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Composição
quando fiquei sabendo
não imaginei o peso
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do silêncio
quando contei o segredo
os lençóis úmidos de suor
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ao relento
quando desejei o homem
minha carne, minha cama, minha vida
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ele nunca mais me respondeu