Dois poemas de Marianna Perna
Marianna Perna é poeta, performer e historiadora da música. Lançou seu primeiro trabalho solo autoral, A Cerimônia de Todas as Vozes – livro-disco de poesia e também uma peça de dança-performance cênica, estreados em Maio de 2018 pela editora Urutau, em parceria com o selo Klaus Haus Studio. Vem se apresentando e participando de eventos tanto com seu trabalho autoral como difundindo a obra de poetas mulheres de várias épocas, além da história das mulheres/feminismo, desdobramentos de suas pesquisas artísticas e acadêmicas. www.mariannaperna.com
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Louca lucidez
Escorre-se louca a vida que resta
Pelas frestas em meus olhos
Há um dizer que se diz no silêncio
Há um espaço que habito
Um pátio, um cantar como o sol na cabeça
Como o caminhar os corredores da casa memória
Onde vejo o Duplo percorrendo papéis.
Falar da ruína de teus nomes
Ainda vivo nas pedras
Ainda vivo nos dedos da noite
Ainda se proclama, como o dia.
Falar da poesia colada em mim
Eu colada a ti, já sem nome
Por ser todos os escombros
Dos nomes que foste.
Deitar-me com a tua sombra
E refazer-me, em teu silente avesso.
*
Da luta incansável pela gota de vida*
eu bebi a sua lágrima
eu recriei nosso remédio
eu te entreguei os ossos
abri as portas do inferno.
(Fui devorada pelos cães)
esperei você ficar nua
e admitir o quanto me procurou
em cada rua
em cada esquina que dobrou
apesar de tanta dor
apesar da carne viva
apesar do medo que grita
apesar do mundo que
morto se anuncia
admitir
o quanto me conhecia
me via
me sentia viva
percorrendo as veias
e os caminhos mais áridos
dentro de seu pavor.
(Eu esperei o veneno se transformar em amor.)
Então, lentamente, deitei-me ao seu lado
para relembrar versos passados
e recriar o instante que
Ainda existe, apesar de tudo.
* Poema publicado no livro A Cerimônia de Todas as Vozes parte do livro-disco autoral de poesia (Editora Urutau, 2018) para configurar-se em espetáculo cênico-musical, com músicos em cena e ancorado na palavra poética como potência de revelar o mundo absurdo que nos circunda e oferecer uma experiência de contemplação poética. Esta vai além da palavra escrita, transbordando-se em um estado poético criado através da junção do som, da palavra, do corpo em dança e performance e de projeções audiovisuais e músicos ao vivo.