Dois poemas de Tânia Souza
Tânia Souza nasceu em Bela Vista/MS, é professora e escreve poesias, contos, crônicas e histórias de terror. Publicou os livros Desamores e outras Ternurinhas (poesia – Editora Estronho), Estranhas Delicadezas (contos – Editora Estronho) e Perverso Natal (Amazon). Na literatura infantil, escreveu sobre gatinhos pretos, sorte e azar em Um gato no Jardim (Editora Estronho) e o livro Bichinhos da horta (publicação independente), em que joaninhas, pulgões e outras criaturas desvendam os segredos da horta. Participou de antologias diversas, entre elas: Poetrix 20 anos, A mulher e o Livro – uma relação em prosa e verso e uma homenagem poética a mulheres de diferentes épocas, na Antologia Poetrix lançada no III Encontro Nacional do Mulherio das Letras. Acompanhe um pouco mais da autora em https://www.instagram.com/taniasouza.ms
***
I
era novembro e uma sombra dançou sob o sol
ergueu sua coroa e sorriu dentes crus e febris devorando nossos sonhos
por caminhos rubros soprou soprou
os mesmos já não somos
reaprendemos afetos em fotos lives vozes, viés
mas chorar será ato só
ou amplidão
estão nus os olhos carnívoros do capitalismo
e na dança dos ossos seres somos fomos
o capital sonha gargalhadas e solidão
para onde foi o verão?
já não correm pipas, sonhos
e as escolas estão fechadas
e nossos planos e caminhos quase escapam entre nossas mãos em gel sabão ou não
o mundo sonha sombras avenidas vazias e corpos em chama
e dizer adeus, proibido está
era novembro e uma sombra dançou sob o sol
ergueu sua coroa e sorriu dentes crus e febris devorando nossos sonhos
mas ela sempre estivera lá
em suas garras nossas almas nuas de verdade
despida e exposta , la crueldad
sonhamos velejar ao horizonte infindo sideral
e somos tão pequenos
e só
ato duro e frio e cru de não ser o todo
um barco triste no azul não nos pertence
não estamos iguais
e nossas diferenças queimam, congelam, esperam
alguma vela triste não nos vela
o tempo está vivo e consome nossa carne
nosso cerne
eu espio o poente e meus passos pedem ruas rumos
negados caminhos
tão sozinhos
é sempre assim
uns sorriem e dançam com a morte
outros, nos desenhos dos ossos esculpem dores criam outros voos
e rumores acordos acordes grana, baby
e entre fios conexões, desconexão
notícias fakes fármacos frágeis l’argent
máscaras luvas gel e solidão
[qual era mesmo aquele mundo de usar?]
eram ventos tristes quando finalmente o medo se instalou
todos os carros deveriam só parar
e no só e silencioso ser
adormecer?
*
II
é quase meia noite
chocolate alprazolan cevada e nada de sono não
mas o mas é tão aqui e solidão de ruas vazias
e medo medo de abraçar
estendidas as datas do não se pode ser
quarentena
a voz de Elza na minha tela diz:
você merece
você merece
tudo vai bem
mas não vai e eu não mereço
quarentena
choro poucas lágrimas porque sou força e resistência
apesar do apesar quero só seguir
penso prece:
que seja por ela, Elza, outras elas
por toda dor e ternura, florescer
e se eu não puder mais te abraçar?
deixo estes versos vagos e fracos
mas têm de mim amor luta e compaixão
te envolvo na minha saudade
te acolho na palavra abraço
e é tão bom