Dois poemas e três minicontos de Adriana Drih Paris
Adriana Drih Paris é graduada em Direito e História, professora, advogada, poetisa e idealizadora do Sarau Ricadri. Especialista em Conflitos Internacionais e Globalização pela UNIFESP, transita no mundo acadêmico, pesquisando relações entre China e Taiwan, e no mundo dos versos, poemas e contos. Observa, no trajeto entre as áreas jurídica e da educação, quantas curvas surgem e somem e quantas portas se fecham e se abrem para tantas pessoas dos mais diversos segmentos, lugares, estares… Apaixonada pelo mundo das letras, possui repertório em algumas áreas dos saberes e acredita que ainda nada sabe. Assim, com seu lápis ou em um teclado, declina-se em uma infindável busca por palavras, pensamentos, outras perguntas e mais palavras.
Blog: https://adrianadrihparis.blogspot.com/?m=0
Facebook: https://web.facebook.com/adrianadrihparis.blogspot.com.br/
Na rede: https://web.facebook.com/jornal.nanet/posts/2109283192493209/?_rdc=1&_rdr
No teatro: https://www.youtube.com/watch?v=PCrdRmuKDTw
***
O POETA NU
Poesia verdadeira é aquela que rima pensamento e voz.
O bom poeta não faz rascunho.
Raras as vezes, corrige o verso anterior.
A poesia nasce dentro da alma.
O lápis, a caneta, o teclado, são instrumentos pra expulsar o poema de dentro do poeta e externar ao mundo seu eu.
O poeta pode tudo:
– rir
– chorar
– gritar
– xingar
– emudecer num ponto de exclamação.
Eu sou poeta.
Você é meu poeta.
Eu driblo a mim mesmo, soltando os fantasmas, os heróis, os vilões…
Tiro a casaca, me dispo de pudores e falo nas linhas sobre várias coisas do mundo.
Mundos real e imaginário.
E eu falo em línguas.
Escrevo em línguas que desconheço.
Para o poeta o mundo pode ter diversas formas e cores.
Não há limites pra imaginar alguém ou algum lugar.
A nudez de um poeta é percebida quando não há medo no trato das palavras.
A nudez de um poeta se dá no registro das ideias através de seus versos.
E quando o poeta lê, em voz alta o que poetizou, não há mais salvação a ser concedida por ninguém.
O poeta profetizou.
Ele foi capaz de salvar a si próprio.
O poeta se despiu e numa nudez escancarada seus pensamentos transformam-se em verso, em escritos, em voz e novos pensamentos.
*
“BEIJO-ME
Antes de beijar-te
Necessito conhecer-me.
Sinto-me inerte quando vejo minha face e minhas mãos, mas não consigo beijar meus pés – reles.
E antevejo o que desejo – desejo-me.
Suave, terna, tenra…
Metade de mim não me tem
Ao contrário, retém e me engasga.
Anticasta, antiácida, antiga, nefasta.
Beijo-me diante do espelho – beijo o espelho e não me sinto.
Sinto os cacos do mesmo espelho rasgando-me
E sangrando recolho os pedaços de mim – irrefletidos.
Dura feito tronco de árvore madura, baixa estatura, procurando as alturas.
Beneplácita, diagnóstica, antiácida…
Beijo-me antes de morrer diante de mim.
O passado foi embrulhado para presente
Num presente descompassado
Suado, cansado, emburrado, rasgado.
BEIJO-ME.”
*
BICHO DE GOIABA
‘Aqui anda bem apertado e o sumo está amargando, sabia?
A massa que sempre me atraiu, anda me traindo e parece que me expulsando dos pequenos espaços que sempre ocupei aqui dentro.
Faz tanto tempo que existo, penso que todo mundo me conhece ou, ao menos, já ouviu falar de mim.
Sem contar que nos últimos dias parece que só existe a minha casa como fruta fresca nas mesas, nas lancheiras, nas fruteiras, nas prateleiras, nas feiras livres.
É tanta gente falando do meu morro – a goiabeira – onde fica meu barraco – a goiaba, que me dá medo!
Eu, Bicho de Goiaba, vou fazer minha trouxa, com uns fiapinhos velhos dos pedaços que já comi e que detonaram meu estômago.
Ultimamente, nem eu consigo mais comer a goiaba, viver na goiaba, morar no alto da goiabeira.
É tanta bobeira que falam que estou rastejando nos últimos dias, meio sem fôlego, sem força, pra cavar um buraco e fugir.
Ninguém colheu meu barraco
ou subiu no meu morro nas últimas semanas pra me salvar desta loucura que anda minha quebrada aqui na América do Sul.
Estou me sentindo sozinho apesar de milhares e milhares de vozes só falarem do que me cerca.
E milhares de luzes de holofotes me procurarem no escuro e as mídias, numa velocidade única, disseminarem histórias recentes sobre minha habitação.
Goiaba nem sempre foi a fruta predileta dos brasileiros.
Vou cair fora enquanto é tempo.
Ai.
Opa!
Só mais um pouquinho.
A casca está ficando fina.
Força.
…
Consegui!
Que escuridão aqui fora!
Eu, Bicho de Goiaba, vou procurar uma amoreira.
Vou virar Bicho-da-Seda.
Cansei de goiaba e de goiabeira.’
*
A MORTE
A vida é implacável.
Ela existe para que seja possível morrer-se.
A ‘caixa’ que abriga coração, rins, fígado, baço… quando decide jogar fora a chave do cadeado, não há quem consiga (re)abri-la.
Os olhos se fecham, as mãos não seguram mais uma colher, os dedos não contam mais quantos anos ainda haveriam a se viver se a chave do cadeado não sumisse no tempo.
Eu viva. Ele morto.
Impossível explicar o sentimento que desperta quando olho a ‘caixa’, vazia de vida, vazia de ar, vazia de alma que está ali na sua frente, imóvel.
E ela, a alma, já no seu novo lar, em paz, na luz serena a nos olhar. E nós, a chorar.
A morte talvez seja a grande sorte que chega quando não dá mais pra carregar o corpo, e o corpo não consegue mais carregar a vida.
A morte é implacável.
Só chega porque houve vida.
Que esta dupla, inevitável em sua existência e companheira de início e fim, atravesse os portais de mãos dadas, assinalando que valeu a pena pra quem vai e para os que ficam.
Todo meu respeito ao passamento.
Os anjos já estenderam os tapetes no céu.
*
DE LEITE C
O leite do peito ficou logo ralinho, porque o arroz e feijão era bem dividido dentro de casa e mainha não tinha muita sustância.
Por conta disso esse cabra aqui também foi miúdo quando criança, magrelo quando garoto e perfeito pau de virar tripa quando já homem adulto.
Não lembro bem do gosto do leite de mainha mas todo mundo diz que a amamentação é o que há de mais importante na vida de uma criança, fazendo grande diferença pro crescimento, contra as doenças, a chamada imunidade…
Vai ver é por isso que não cresci muito, ficava resfriado toda vez que chovia, peguei catapora, caxumba, vivia com vermes e no campinho com os meninos eu ficava sempre no banco reserva.
Doce de leite, leite condensado, pudim de leite, coalhada, pão de leite, queijinho e dente de leite… os primeiros via nas vitrines das confeitarias e padarias e o último… ah ainda tenho um desses dentes aqui oh…
Talvez de todo o leite que eu queria e devia ter tomado na infância só tive mesmo em abundância os dentes de leite… tanto que um não quis cair e ainda o guardo nesta boca que adora bicar num copinho de bar um cafezinho com leite…
Do jeito que as coisas andam, do jeito que meu bolso está, do modo que a economia é capenga, leite em casa? Só de vez em quando e é daquele mais aguadinho.
Quando ligo a televisão vejo tanta propaganda oferecendo produtos de dar água na boca, é um tal de deleite-se, hum… iogurte, requeijão, margarina, queijo frescal, ricota, creme de leite hum… deleite-se…
Mas esses derivados daquele líquido branco que sai da teta da vaca só pela tela da TV… aqui em casa não tem desses luxos. Fica pros abonados este tal de ‘deleite-se’
Aqui duas vezes por mês, tem no copo acompanhando um pão dormido esquentado na frigideira é um tal de leite C…
Érika Milani Melo
Dra. Adriana, que maravilha. Quanta sensibilidade..,.parabéns. belo trabalho!