Duas crônicas de Alicio Charoth
Alicio Charoth é chef de cozinha, pesquisador e agitador cultural. As crônicas a seguir foram originalmente publicadas no Instagram (@charoth10): https://www.instagram.com/p/CBHWe9RlKF1/?igshid=1jevuajg7d6y8
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Pão na Pandemia 2
Direito ao Paraíso.
“Numa velha receita de doce ou bolo há uma vida, uma constância, uma capacidade de vir vencendo o tempo sem vir transigindo com as modas”.
Gilberto Freyre
Pode-se afirmar que o pão é o alimento síntese das civilizações.
Foi no Oriente Médio que o homem, pela primeira vez, começou a desenvolver a agricultura e a criação dos animais.
E, quando se fala em agricultura, está se falando de cereais.
Não um, mas vários.
Qual foi o primeiro da lista: o sorgo, a cevada, o centeio ou o trigo?
Não se sabe, mas, seja qual for, há cerca de 10 mil anos, eles já eram plantados nessa região, que hoje se estende do Egito ao Iraque e, não sem motivo, foi batizada pelos historiadores de Crescente Fértil. De lá, esses cereais se espalharam pelo mundo.
As sementes mais antigas de trigo já encontradas datam de 6700 a.C. e foram plantadas pelos povos que habitavam a antiga Mesopotâmia. Os grãos eram misturados com peixes, castanhas, frutas e água, numa espécie de papa levada ao fogo. Não parecia uma receita muito apetitosa. Bem diferente do pão, nascido da inventividade dos egípcios. Por volta de 4000 a.C., eles já tiravam proveito do processo de fermentação do trigo, processo que, aliás, também era utilizado na fabricação do vinho e da cerveja. Os egípcios descobriram o que hoje todo mundo que bate um bolo sabe: a farinha feita dos grãos de trigo ganhava volume quando se adicionava o levedo à massa levada ao forno.
Mas por que este alimento acabou tornando-se o grande símbolo da quarentena?
A reclusão forçada teve um aspecto no mínimo interessante, e merece atenção e observação.
A quarentena teve o poder de reduzir nosso ritmo frenético de vida, ritmo que nós foi imposto, como engrenagem de um processo de desequilíbrio, e a quarentena como forma de freio, nos fez repensar questões essenciais à existência humana.
Já nem sabemos mais pelo que lutamos, vivemos um delay existencial, entre produzir, consumir e destruir.
O prazer perdeu-se no trajeto, fazemos de forma compulsiva coisas que gostamos, esquecendo seu verdadeiro sentido.
Pois o pão, este alimento divino, acabou sendo uma metáfora deste processo, que exige cuidados, tempos, observação, tudo que, em nossa vida cotidiana pré-pandemia, não era permitido.
Atento a alguns detalhes do processo do seu preparo, vamos compreendendo semelhanças, até então despercebidas e uma grande descoberta:
NÓS TAMBÉM FERMENTAMOS!
Passamos horas no trânsito, para chegar a um trampo mal remunerado, que odiamos, mantemos um ritmo sedentário que nos leva a consumir uma série de coisas que não temos necessidade nenhuma, para no final das contas, guardá-las em um armário, ou seria nosso sarcófago?
Pagamos caros por remédios para melhorar a coluna, para subir o pau, e baixar a pressão, comemos e nem sentimos o gosto, pois a foto já imprimiu em nossa cabeça que era saboroso.
Ventre preso, caganeira, hemorroidas, tudo conspira para ferrar o baixo ventre.
E claro, enxaqueca se cura com um Breja, no final da tarde, se ficássemos só em uma quantas?, que venha um baseado, que tal uma carreirinha só… ufa!
Podem me dizer, de onde se tirou que isso é civilizado?
Evoluímos ou Involuimos? That is the question!
Mas nem tão trágico assim, quando a vida te sorriu, e te levou a viver num paraíso.
Serra Grande, deveria ser sonho de consumo de todo ser humano minimamente decente e civilizado.
Um direito concedido por God, sem cobrança de interesses, onde a palavras como isonomia, estado laico, respeito fossem mandamentos, não imposições.
Respirar seu ar puro, teria mais valor que um Rolex, e wi-fi gratuito, fosse um direito de nascimento.
Pois meu querido amigo Jonatas Santos Santana, biólogo e chapa na rede PANC, sabe do que falo, e como bom observador, lançou mão de seus dotes culinários, nos fazendo esta presença, mesmo que virtual, vale minha lembrança e carinho.
Que os bons ventos de Serra Grande e a generosidade de nosso chapa @Jonatas sejam capaz de nos trazer boas novas, bons e melhores alimentos, e que tenhamos paz e tranquilidade para degustar o mundo.
Pão de banana do Jonatas.
12 bananas maduras
1 ovo ou 1 cds de linhaça moída com 3 cds de água
4 cds de óleo de coco
1/2 xícara de açúcar (100ml)
1cds fermento em pó químico
3/4 cdc sal
1/3 cdc canela
200ml leite de coco
400ml farinha de aveia
400ml farinha de trigo
Cdc= colher de chá
Cds=colher de sopa
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Se o grão não morre?
Vivemos tempos muito estranhos, fragmentados, desconjuntados, viva hoje, faça, goze, consuma, respire, ser der, sem a capacidade de vislumbrar qualquer possibilidade para além do amanhã.
Falamos com máquinas ao celular, que têm a capacidade de mentir, e intervir politicamente
Grandes corporações são o ideal do Deus contemporâneo, são elas que determinam o bem e o mal, interferem no amanhã, tudo é líquido, flexível e relativo, inclusive nossa presença aqui, e agora.
Chegamos a uma realidade distópica, de Orwel? um monoteísmo híbrido e pagão.
Talvez a resposta que vá de encontro a essa triste realidade esteja na natureza.
Não quero soar como cético, muito menos cínico, mas minha ideia de cultura está muito mais para o politeísmo moreno, e que de preferência, os Deuses bailem, sejam mais humanos, como Pã dos bosques com sua flauta ou o poderoso Tupã e Oxóssi, das matas.
Que a importância esteja no teu olhar, não naquilo que olhas, dizia Gide o poeta, num célebre momento de lucidez, pois no meu olhar, o estrago que os homens vem impondo à terra mãe, é digno de augoses, quer atitude mais punitivista?
Não seria melhor Deusas, na condução da nave?
Deusas mulheres, que tenham sensibilidade e beleza, senso de justiça, e que nos façam rir?
Oxum cheia de graça, ou a faceira, porém justiceira, Iansã?, que com os rodopios de sua saia, faz a terra tremer, com trovões, putz isso são deusas cheias de poesia.
Pois é isso, para que se contentar em ser mono, se podemos ser Pan?, Poli, Múltiplos, não seria a diversidade o que temos de melhor na Natureza?
Acostumei a pensar, que, também na gastronomia, as sementes são o princípio de tudo, poucas coisas na terra são tão milagrosas, diversas e vitais como as sementes, sem elas, o mundo é um vazio, estéril e sem sentido como o mundo cretino que criamos para viver.
Se o grão da ignorância e da barbárie não morre, as raízes do mal se perpetuaram, temos todos que fazer este esforço.
As diversas faces do terror, do racismo, do autoritarismo, do ódio, do pensamento único, da arbitrariedade devem morrer, para dar lugar ao mundo novo.
A tensão entre vida e morte nos remete também à cultura dos nossos ancestrais indígenas, Os Incas, Maias e Astecas, que tinham uma semente, como um Deus Divino.
Milho, “a grande semente” responsável por toda uma civilização, não era só um alimento, representava a transcendência religiosa, responsável pela sua fluorescência, infelizmente marcada mais uma vez pela ignomínia e o ódio do homem branco.
Até o descobrimento da América, em 1492, os europeus desconheciam a existência do milho.
Yuin Kax, Deus da prosperidade e da abundância, também era associado com símbolos da morte, único em seu panteão que possuía feições humanas, juvenis e amáveis, trazia no corpo belo e jovem, cabelos longos sugerindo os cabelos da espiga de milho.
Para eles não havia como criar vida senão com a morte.
Para que o grão germine, é necessário enterrá-lo e deixá-lo agir como um cadáver.
Sendo assim, representam-no em sua forma decapitada ou trazendo a cabeça cortada com uma medalha no peito, para lembrar que o grão morre para que nasça a jovem planta.
São lições ancestrais, que foram sendo mortas, como sementes patenteadas pelas multinacionais, que disseminam ódio contra a natureza, em forma de agrotóxicos, que esterilizam terras e comprometem ecossistemas.
Mas pensamentos não morrem facilmente, são resilientes, e graças a eles, o novo sempre vem.
Pois o grão está mais vivo que nunca, mesmo mudando de nome ele resiste, se antes se chamava Grão de Arroz, tornou-se mais abrangente celebrando com um Viva, as sementes, para mostrar a importância que estes jovens, intrépidos disseminadores de sementes, plantaram na cultura baiana.
Deixo aqui meu abraço afetuoso a @Vera Lúcia Martins, viúva de Lula, que me fez ter os primeiros contatos com uma culinária de responsa. ♡
Pão integral de gergelim da Vera.
Receita
300gr de farinha de ttigo integral
200gr de farinha de trigo branca
100 gr de farinha de gergelim
1 xícara de farinha de coco
8 colheres de óleo de coco .
1 colher de sopa rasa de sal marinho
1 colher de sopa de fermento biológico.
Água morna até chegar ao ponto da massa .
Modo
Misturar os ingredientes numa bacia , misturar bem até ficar macia .
Colocar o sal marinho no final da mistura .
Deixar descansar por 1 hora.
Sovar novamente a massa.
Povilhar uma forma de pão, abrir a massa na forma e levar para assar em fogo baixo por mais ou menos 40 mim.
ROZANa Gastaldi Cominal
Textos deliciosos, lições ancestrais, e, de brinde, RECEITAs para experimentar. Saberes & sabores, que riqueza a nossa diversidade!