Duas prosas poéticas e uma série de ilustrações de Marina Gomes
Marina Gomes, 19, estudante de arquitetura e urbanismo pela UFMG e estudante de design. Apaixonada por pintura, literatura e teatro, gosto de maldizer meu horóscopo por me fazer ter interesse em tanto e ao mesmo tempo em tão pouco.
Instagram: @marinnagomes
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Outubro
Então chore. Chore lágrimas que brotam de fontes que supostamente secaram tempos atrás. Chore o peso do mundo, Atlas, aquilo que sua mãe nunca te disse, aquilo que ela te disse vezes demais. As memórias insossas dos domingos fragmentados, as brigas de almoço que não se repetem mais.
Chore as réplicas de monumentos melhores que os originais. Chore as donas das vozes que fixam, ecoando concha em mares soturnos, incapazes de te deixar em paz.
Se te inunda, chore. Chore malas vazias em cima da cama, meias sem par espalhadas pelo chão. O futuro ao lado de alguém que hoje não passa de um talvez, de um provavelmente não.
Chore bigornas em homem cruéis com esposas que de nada tem culpa, chore a impossibilidade de distinguir o mal e o bem. Chore o metal em brasas afundado em sua carne viva, toda a dignidade de ser por eles considerada alguém.
Se te contorna, chore. Chore por tudo. Por tudo menos por ela. Ela, que de bronze, exige ser banhada em ouro, recitando discursos ensaiados para plateias lotadas de tolos. Ela, que espreita e invade janelas, que embriagada de sono corrói, e em teimosia jamais desperta.
Não gaste suas lágrimas de mudez e som com alguém que não mais aguenta. Dilúvios, marés, barreiras, correntes, deltas e diques. Compartilho de sua carga, Atlas, mas chore por alguém que fique.
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Flores do Mais
Precisaram te tirar do seu apartamento, daquele no décimo sexto andar, sem grades nas janelas, sem janelas nas portas. Te tirar da posição na qual te coloquei.
Inabalável, mulher de mármore, sustenidos de Hilda Hilst, barítonos de Sylvia Plath. Lavando antebraços de tinta, levando no estreito o pouco da vida.
Te tiraram de si e te prenderam na cama. Na cama te pintaram pílulas. As pílulas me contaram, também eram obrigadas a te engolir em dor.
Suas pinceladas ainda fixas em mim, verde em todos os tons de azul, azul em todos os tons de vermelho. Quando te disse entre mãos frias de criança, eu não iria ser artista, desespero.
Sobre falar de miséria como se não morressem de dor, sobre riqueza como se não vivessem de restos de humanidade. Ditar guilhotinas para aqueles que morrem sorrindo, de mãos dadas com suas cidades. Péssima com adeus, minhas despedidas, se despidas, covardes.
Ainda tem em mim todos os medos do mundo. Tenho em ti todo o conforto que se pode dar aos seis anos, dentre pulsações de sonhos fracos, dentre ponteiros que me salvaram dos perigos dos segundos.
Inexpressiva, olho para o retrato. Homem vazio e desbotado, mulher feita de barro. Ambos moldados no abraço frio de um filho em cujas tatuagens eu já me empenhei em dançar.
Um grito de quem tem sede, ao pensar que suas respostas prontas são pontos finais. Apesar do relógio que visto, ainda sou meus seis anos, e aprendi desde cedo a me distanciar
mais
e mais
e mais.
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Série de ilustrações:
quando dois se confundem na voz de um terceiro OU
preciso prestar respeito àqueles que me permitem parasitar.
ROZANA gASTALDI cOMINAL
Estarrecida diante das palavras e das imagens!
E mais, mais….
“…aprendi desde cedo a me distanciar”
“Compartilho de sua carga, Atlas, mas chore por alguém que fique.”