Entrevista com a escritora Ana Amália Alves – Por Vanessa Franco
Na coluna mensal “Mulheres na Literatura”, Vanessa Franco aborda entrevistas com escritoras, resenhas de livros, publicação e análise de poemas e traz novidades do mundo literário envolvido por mulheres.
Vanessa Franco é professora de teatro, atriz, palhaça e poeta paraense.
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Entrevista com a escritora Ana Amália Alves
Conta um pouco sobre a sua trajetória como escritora, quando começou?
Primeiramente, gostaria de agradecer a Vanessa Franco pela entrevista. É sempre bom podermos repensar nossa própria relação com a escrita e a literatura. A minha trajetória como escritora começou na infância, como leitora assídua de literatura para crianças mas também para adultos, e com pequenos textos criativos que acabava fazendo a partir do que lia e até do que algumas atividades propunham. Meu pai viajava muito a trabalho (ele é professor da área da Educação da Unesp de Marília) e sempre trazia livros e revistas que eu devorava e preenchia com muito gosto. Era como eu sentia o amor dele por mim, quando estava longe. Além destas atividades, eu gostava muito de manter diários e notas para mim mesma, quase com uma conversa interna infantil, que aos poucos foi amadurecendo. Na adolescência e então na vida adulta sigo nesta mesma dinâmica: enchendo caderninhos diariamente, e também a partir das redes sociais nos últimos anos. Tenho gostado de manter a prática de escrita por lá, com a reação espontânea e imediata de poucos leitores.
Qual escritor/ escritora influencia sua escrita?
Todo livro que eu leio me influencia e, de algum modo, modifica a minha escrita. Às vezes isso é perceptível e consciente, como quando lei/releio poetas como Hilda Hilst, Gertrude Stein, Geruza Zelnys, Rupi Kaur, Jorge Luis Borges, Nicanor Parra, Amarjit Chandan… Mas, na maioria das vezes a influência transparece no texto sem que eu possa reconhecer a origem com precisão.
O que te motiva a escrever?
Uma necessidade corpórea pelo ato e a materialidade da escrita: o contato com o papel e a caneta e/ou os dedos no teclado, a vivência das palavras a surgir no fundo branco e o gosto pelo argumento não lógico que a poesia e a literatura nos convidam a experienciar. Parar e viver uma lógica outra que a do cotidiano talvez seja a resposta correta.
Quanto tempo você levou para escrever O livro do preenchimento? Teve dificuldade para organizar o livro?
Este livro levou cerca de três anos para ser escrito, reescrito, ter poemas retirados, outros completamente transformados, ou seja, para a revisão total e o encadeamento deles de modo a gerar uma experiência de leitura única. Surgiu como uma escrita de cura de um abortamento espontâneo que infelizmente vivi de forma muito dolorosa e prolongou-se com as reflexões, sensações e observações advindas da gestação posterior, esta outra cura. Então, tirando o texto inicial (que foi durante a perda inicial), a maior parte dos poemas foram escritos durante a gestação e os primeiros meses de vida do meu filho Nicolás. O processo de revisão e de criação do livro como um todo se deu no ano seguinte, durante a cura do puerpério que as mulheres passam, embora muitas não saibam, após o ato de parir. Por isso O livro do preenchimento foi um processo longo, mas pontual, que levou a nascer de mim a voz da mãe-poeta.
Tem projetos de escrever novos livros?
Com certeza, espero que cada caderninho que tenho completo em casa torne-se um livro no futuro. Tenho muita coisa iniciada, aos poucos vão tomando forma para publicação.
Qual o seu livro preferido?
Esta é realmente uma pergunta difícil. Na prosa, vou dizer Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Márquez. Na poesia, citarei hoje um livro da juventude de Borges, o primeiro dele na verdade: Fervor de Buenos Aires. Não pela experiência da leitura como um todo, mas pela existência ali dos poemas Llaneza e Afterglow que têm me tocado de maneira especial ultimamente.
Quando você percebeu que a escrita era sua paixão?
Somente na idade adulta, quando depois de já ter me formado em Ciências Sociais (na UFSCar), vi-me começando outra graduação (em Letras na PUC-SP) porque só conseguia imaginar o meu futuro ligado à literatura. Como minha mãe disse na época, a literatura já era tão natural em mim, no meu dia a dia, que quando jovem fui escolher uma profissão achei que deveria ir além dela. Pois bem, o tempo mostrou que era com a literatura mesma que eu deveria ter ficado. Embora o curso de Ciências Sociais tenha sido um dos melhores momentos de crescimento e amadurecimento na minha vida, o número de horas que passo ligada à literatura por dia passou a dar a tônica sobre a carreira também.
Tem alguma escritora como inspiração? Por quê?
Ultimamente tenho recebido bastante inspiração das poetas e também dos poetas que frequentam comigo a oficina de poesia ministrada pelo Carlito Azevedo e organizada pela editora 7letras. A cada semana o poema de alguém de lá leva-me a criar alguma resposta, de alguma forma.
Qual é o papel da literatura pra você?
O de mostrar que o mundo poderia estar organizado de outras formas (gosto mais de como as coisas poderiam ser) e, principalmente, o de permitir que eu enxergue pelo olhar do outro.
Como se sente com a receptividade das pessoas ao ler O livro do preenchimento?
Felicíssima. As mulheres, principalmente, dão-me relatos muito emocionados de suas leituras. Recentemente recebi um e-mail da poeta e editora Maria Aparecida Dellinghausen Motta que me fez repensar o livro como um todo. Se possível, e com a devida autorização da autora, gostaria de compartilhar as palavras de Maria Aparecida aqui com vocês:
Querida Ana Amália:
Antes de tudo quero agradecer-te o envio de teu livro, adorável mimo com que nos presenteaste.
Encantou-me teu livro delicado revelando e multiplicando pensamentos e sentimentos voltados para a condição feminina da maternidade. Uma grande lição! Um aprendizado por vezes dolorido neste percurso, conforme colocas com profundo sentimento na perda dos filhos(as) gêmeos. Uma dor que escrita em vermelho mostra o íntimo sentimento, a partir do caderno vermelho.
Mas, a volta à vida vem depois. E uma gravidez plena se concretiza na gestação do filho. Um germinar que complementa os dois seres: vida a pulsar no ventre que acolhe. Um preenchimento que se faz entre ternuras, sentidos, anseios e espera…
A vida das mulheres de tua vida, as ancestrais. A singeleza pura na percepção da vida das avós e a determinação da mãe (sê gauche na vida)… que te antecederam no mundo familiar. Antes de ti foram mães. Neste jogo sutil das palavras não deixas de fazer as justas reivindicações da maternidade, lembrando que sendo mãe, as atenções são quase exclusivas ao bebê, mas pode a mãe receber um batom, uns cadernos e os sinceros agradecimentos por ser forte ao trazer o filho ao mundo. Incluindo o leite materno, o fio branco que alimenta a vida humana. E, ao mesmo tempo, tua gratidão pelo filho agora existindo e
e crescendo fora de ti, do ventre materno.
Enfim, teu livro diz-nos do caráter intimista de tua percepção: o ato grandioso de ter um filho é
“a grande prova
de amor ao mundo”.
Achei genial a finalização. Na condição feminina da maternidade, encontra-se a chave da sobrevivência da
espécie:
“A humanidade sobrevive
graças a ti”.
Ana Amália, de forma nenhuma procurei fazer uma análise de teu livro (o que seria muito pouco nestas breves palavras de e-mail). O que comentei aqui são alguns pontos de tua poesia que tocaram minha percepção e/ou sensibilidade. Ao finalizar, só posso desejar-te sucesso na literatura!
E acima de tudo que sejas feliz com o pequeno Nicolás e teu marido.
Fraterno abraço,
Maria Aparecida.
Qual dica você daria para futuros escritores/escritoras?
Escrevam. Sigam escrevendo. Diariamente, no máximo quinzenalmente. Estejam sempre atentos aos seus temas, ao seu estilo e a como essas coisas vão mudando a cada vez que você escreve algo novo. Aceite estas mudanças, mas faça-as conscientemente. Afinal, não queremos ficar estanques em um só tema e no mesmo estilo para sempre, certo? Que vejamos infinitas possibilidades de olhares e que ouçamos nossas infinitas vozes. Escrever e ler são as experiências mais ricas que temos em vida.
* Ana Amália Alves publicou O livro do preenchimento (editora Patuá), e organizou e editou Contando com Paulina Chiziane e Ondjaki (editora Solte o Verbo! Línguas) ambos em 2020. Tem poemas autorais, traduções de poesia e análises literárias publicados no Brasil e no exterior. É professora de literatura na FASESP e coordenadora pedagógica na Solte o Verbo! Línguas.