Escritas pretas: dez novos nomes da poesia brasileira
Escritas pretas: dez novos nomes da poesia brasileira é uma curadoria realizada pela equipe do blog Impressões de Maria.
Seu objetivo é evidenciar a produção de dez poetas negras e negros independentes, que ainda não têm publicações individuais ou que participaram apenas de antologias, mas que estão escrevendo ativamente sobre assuntos diversos, incluindo ou não questões raciais de modo mais evidente. Entendemos que, até quando não se está falando sobre raça explicitamente, a raça está presente, porque um negro escrever, sobre o assunto que for, já é algo socialmente inesperado, é uma ação política. A escrita de um negro é resistência.
Esta curadoria também complementa e amplia uma seleção de poetas composta anteriormente pela mesma equipe como resposta a um evento que aconteceria no Rio de Janeiro.
Poemas: “Afroempreendimento e Black Money” de Luciene Nascimento, “Novembro” de Sílvia Barros, “Eterna Diáspora” de Luma Paula, “Cidade correria I” de Lívia Prado, “Súdito” de Gonesa Gonçalves, “Três palavras ou como você quiser chamar” de Pryscila Galvão, poemas não intitulados de Aline Motta e Ingrid Martins, “óleo de coco” de Marcos Rosa, e “Negro soy” de Vinicius Nonato.
***
Afroempreendedorismo e Black Money
Pedago-Poesia (Luciene Nascimento)
Qual a cor dos donos da empresa
do carro que você quer?
E a cor dos donos da loja
da roupa que você quer?
E a cor da pele dos donos,
d “vamo” ser realista,
da loja que “ce” sonhou
entrar lá e comprar à vista?
Qual a cor do dono da marca
do tênis que coleciona?
E a pele dos acionistas
da marca que te impressiona?
Daquele que cuja grana
por conta própria faz grana,
e vira grana de novo,
repete essa trajetória,
sustenta seu próprio povo,
preserva a própria história.
Olha:
O salário do povo preto,
a parcela desse salário,
o trabalho do povo preto,
o suor que desse trabalho
converte-se em pagamento
e escoa pro empresário
que enfim é dono de tudo
que o preto sonhou em ter!
É Estratégia da branquitude:
manutenção no poder.
É cristalino o sistema
o seu plano de autogestão:
vende pra nós o problema,
financia a solução.
Se formos atentos aos mais velhos
Trilhamos a contramão
já que o maior dos conselhos
foi a insubmissão.
Se for junto, tem fundamento
tem grana, tem argumento
Afroempreendimentos
já são a solução.
Assim como a cor do sistema
a regra também é clara,
a dica da autogestão
estampada na nossa cara:
Quanto mais preto o produto
O processo de produção
Mais comunitário o serviço
E sua fabricação
Assume-se o compromisso
Do apoio ao que vem de nós
Dois pretos fazendo juntos
Já não caminham mais sós.
Estratégica e ancestral
é nossa tecnologia
O lugar de onde se vem
Tem um mapa e também te guia
senso de comunidade
inspira essa autogestão
Resgate a ancestralidade
no apoio ao seu próprio irmão.
*
Novembro (Sílvia Barros)
Meu corpo é meu quilombo
Onde me guardo
Me resguardo
Me resgato.
Onde vivo com Dandara,
Aqualtune, Agontimé.
Minha voz é minha abolição
Auto proclamada
Assinada pelas minhas irmãs.
Meu corpo é um continente
Onde vivem as ancestrais,
Onde derrubo
Os amuralhamentos da colonização.
Meu rosto, um futuro
Que aponta com
O nariz-faraó
Para o tempo-devir
Onde outra eu
Estarei viva e em pé
Do lado negro da história.
*
Eterna Diáspora (Luma Paula)
Mais uma vez um negro enterrado
Mais.
Uma
Vez.
Da mesma maneira.
Seu funeral… enterro… gente preta.
Lamentando o porquê ele ter ido daquela maneira.
E tudo volta a ser normal; somos todos aqueles pretos velhos que o senhorzinho pegou. Pra estuprar, trabalhar e matar.
Mais uma vez o choro da mãe perdendo seu filho e o lamento, sem cessar, do por que ter saído naquele dia para trabalhar.
Hoje, a dor que a gente sente não muda o que sentia meu avô.
Mais uma vez.
O povo preto.
Sente essa dor.
*
Cidade correria I (Lívia Prado)
Cidade parece rir
Cida não quer olhar
Ci mata aqui
e a cor,
só quer chorar
Corre amor
corre a cor
a idade preta
a juventude negra
Corre a cor
corre amor
Cidade Nova
de cotas
de copas
de cortes
de mortes
Cidade explode
engole
cospe
Corre o riso
do frio
do grito
Foge o medo
do desespero
da vida
do gueto
Cidade amada
cidade armada
Cidade sem verba
que quebra
Cidade imagem
que vende
pros estrangero
que vem
Cidade banida
vestida de sangue
unida no samba
Cidade que bebe
que recebe
aquela febre
Oh povo alegre!
Cidade que ferve
que pede
que doa
que voa
Cidade corre
pra não dormir
medo de não sorrir
Cidade corre
da dormência
da eminência
do fracasso
Cidade quer mais abraço
mais amasso
A Cida quer ver o sol
para iluminar a gente toda
A Cida quer ver os meninos
voando de canoa
Cida de homem
Cida de menino
Cida de menina
Cida de mulher
Cida corre de si
Cida, meu bem
Vem ser quem,
você quiser
Ci-da-de
Ci-dá
de comer
de beber
Ci-dá
de viver
de ser
Ci-da-de
Ci-da-de-cor-ria
Ci-da-de-cor
Ci-da-de-ria
Ci-da-de-cor-re-ria
*
Súdito (Gonesa Gonçalves)
Se veio aqui
Seja meu, inteiro
Sou dona da noite
Faça o que peço
Sem algemas,
Meu quarto
Cárcere
De conter você
Meus olhos
A imobilizar
seu corpo
Não farei esforço
Para que seja meu
Minhas mãos
Acolhem
Como terras
a segurar raízes
De árvores troncosas
Minha boca:
Recipiente
De conter os rios
Que transbordam
Do seu corpo.
*
Três palavras
ou como você quiser chamar (Pryscila Galvão)
Eu te amo
Eu vou embora
Não dá mais
Eu quero você
Vamos embora daqui
Quer casar comigo?
Não irei embora
Eu cansei disso
Eu vou voltar
Quer namorar comigo?
Shiu você, boba
Eu te adoro
Você é gostosa
Você está linda
Você está feliz?
Como foi hoje?
Passou no teste?
Eu consegui
Eu aceito
Obrigada por hoje
Amor, eu gozei
Será uma menina
Será um menino
Você terá gêmeos
Sempre será assim
(repetindo porque é a melhor) Eu te amo
*
(Aline Motta)
inexplicável o tesão que sinto
quando olho pra você
você olhando pra minha boca
eu olhando pra sua
imaginando a todo tempo
nossos lábios colados
nossas línguas se encostando
nosso beijo rolando
nosso ritmo acontecendo
de forma calma
mas que passa de forma rápida
me fazendo molhar de desejo
querendo apenas sentir esses lindos e longos dedos
dentro de mim
e não mais a sua língua em minha boca
e sim em outros lábios
me fazendo jorrar de prazer
e tapando minha boca
pro mundo não conseguir me ouvir gemer
e nem ficar com inveja
pelo tanto de prazer
que você pode me oferecer
*
óleo de coco (Marcos Rosa)
mudando da água pro vinho
mudando do vinho pro gin
ébrio mesmo eu fico
na sobriedade dos teus graves
gravei teu rosto na retina
pra ser visto em
qualquer fundo branco
fotografo teu corpo retinto
que assim como Marrom
me vira a cabeça
e feito peça nessa quebra
eu me encaixo
porque é debaixo do teu braço
que eu gosto de ficar
sem embaraço além dos
nós do meu crespo
quando encosto a cabeça
no teu travesseiro ou no teu peito
pelugem-leito
nós
eles
por pronomes não fico
e até sóbrio admito:
que me desculpe Chico
mas quero ficar no teu corpo
feito óleo de coco.
*
(Ingrid Martins)
eu nasci aos gritos
enquanto muda.
eu que vi conflitos
pra sorte, arruda.
eu muda
ao lado de mudas,
me fiz floresta.
me mudaram.
me podaram, mas
eu nunca quis ser concreta.
eu nasci muda
de chão de terra,
por isso muda quando morre
se enterra.
me queria muda,
eu gargalho.
muda que sou, me
espalho, também sou
galho.
sou muda de selva,
selva que não muda.
muda de arruda,
atrás da orelha; ajuda.
sou muda
sem ritmo. mas
sou mu(dança).
sou
muda
de
esperança.
muda.
*
Negro soy (Vinicius Nonato)
Me pintaron negro
Feo, oscuro
Ahora, con piedras negras construyo
El muro
¿Piensa que voy a esconderme?
No creo que lo sepa usted
¡Es para fortalecerme!
Las piedras son mi pelo rizado
Piel y manos fuertes
Que resisten todo el tiempo
Con fuerza a sus golpes
Con mis pies enraizados
Visito a mis ancestros
Que me enseñan todos los días
A mantenerlos despiertos.
Entonces
A partir de hoy
Se lo digo
¡Negro soy!
***
Equipe Impressões de Maria
Impressões de Maria é um blog literário que desde 2013 dá destaque para a literatura negra produzida por mulheres. Atualmente é composto por Maria Ferreira, Mayra Guanaes e Neto Arman.
Maria Ferreira é administradora do blog, baiana que mora em São Paulo, graduanda de Letras/Espanhol (UNIFESP).
Mayra Guanaes é colaboradora do blog, formada em Letras Português/Espanhol (UNIFESP). É professora e faz mestrado em Estudos Literários (UNIFESP).
Neto Arman é colaborador do blog, morador da Baixada Fluminense, Rio de Janeiro. Estudante da Faculdade de Letras da UFRJ.
A imagem em destaque é de Chema Skandal.
Daniel Lira
Olá!
Gostaria de apresentar meu trabalho a vocês. Em dezembro de 2018, após 4 meses de estudos, planejamento e Contagem de moedas, fundei a grife Preto fala de amor – estampas inspiradas EM poesias.
A primeira coleção chama-se resiliência e traz muito do olhar para dentro, se ver, admirar…
Agora estou em vésperas de fundar a segunda coleção que traz o olhar para fora, para o mundo que vivemos, quem somos e o encanto pelo outro.
@pretofaladeamor
José Vieira Filho
Lundas poesias, parabéns para todos autores
Mário porto
Poesias bem estruturadas, de bom gosto, ideias bem distribuídas. Parabéns aos poetas.
JESS KΔNELA
Faltou eu rs
Manoel Alves oliveira
Estas poesias massacraram a minha alma e coração. Gostaria que me AUTorizassem a reproduzi-las, obviamente citando a FONTE e @s AUTores/as ,