Fantasmas do Futuro – As viagens no tempo
Fantasmas do Futuro é uma coluna sobre filmes e séries que nos lançam aos universos criados pela ficção científica/especulativa de futuros. Aqui, vamos abordar obras (ou lista de obras) produzidas no contemporâneo que transitam entre vários temas que assombram nossos amanhãs. A coluna é baseada no livro Imagens-espectro de futuridades no Amplo Presente, lançado pela Edufmt, em 2020. O livro e a coluna são de Ângela Coradini, editora na Ruído Manifesto.
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Fantasmas do Futuro – Viagens no tempo [tema-1]
Nesta semana, na coluna Fantasmas do Futuro, vamos falar sobre obras que abordam as viagens no tempo: nosso tema 01. Essa é uma temática sobre futuridades que, de certo modo, transpassa quase todas as outras temáticas, fazendo dobradinhas em várias obras (epidemias + viagens no tempo; colapsos ambientais + viagens no tempo; problemas tecnológicos + viagens no tempo). Essa terceira dobradinha é bem explorada pela série Travelers (2016-2018), sobre a qual vamos no dedicar um pouco mais. Também vamos começar a usar os links que, ao longo das semanas, vão ligar as obras umas às outras. Então, sempre que encontrarem (subtemaX) no texto, saibam que logo ele ganhará link com as temáticas das próximas postagens.
Vamos lá?
Num campo teórico, as especulações sobre viagens no tempo acompanham discussões da Teoria Geral da Relatividade, de Albert Einstein, e dos buracos de minhoca, de Stephen Hawking. Entre ditos e improváveis, a ficção nunca se cansa do deslocamento entre diferentes pontos da temporalidade. Na literatura, o tema foi abordado pela primeira vez na obra de ficção-científica de Herbert George Wells, com a A Máquina do Tempo (1895).
Em nossos filmes e séries sobre o futuro, as viagens no tempo aparecem como a última forma de impedir (no passado) problemas que não são solucionáveis no presente ou no futuro. A necessidade de retorno constrói a ideia de que a ação moderna perdeu seu potencial de resolução. Ou seja, a dinâmica que ainda reproduz a flecha do tempo, por meio da permanência de uma forma de pensamento que só considera a consciência, é trazida como “a causa” dos acontecimentos catastróficos, e irreparáveis, ficcionados nas imagens audiovisuais ligados às dimensões da vida humana.
Nas obras audiovisuais de ficção, a aceitação de que as várias dimensões da vida possuem limites, e que é emergencial uma efetiva mudança, só ocorre após a concretização das catástrofes, seja ambientais, corpo-biológicas, econômico-sociais etc. E isso se deve à própria incapacidade da estrutura econômico-social-ideológica, na qual estamos inseridos e somos parte, de resolver “automaticamente”, como já comentava Slavoj Zizek, os problemas que ela mesmo apresenta. Assim, entre alardes, teorias e prognósticos, a esperança que resta reside nos buracos de minhoca e nas fórmulas da mecânica quânticas com suas distorções no espaço e no tempo.
Nas abras produzidas a partir dos anos 80 (como falamos no texto anterior, não abordaremos obras de anos anteriores), o mais conhecido exemplo é a franquia Terminator (1984-1991-2003-2009-2015), na qual ciborgues, do ano de 2029, retornam no tempo para eliminar os focos de resistência humana à dominação pelas máquinas. No filme Os 12 macacos (1995), como na série homônima, de 2015, essa volta no tempo serve na mesma perspectiva de corrigir ações no passado e modificar o futuro, ou seja, encontrar informação sobre um vírus que traz a dizimação da população mundial. Já no filme brasileiro Branco sai, preto fica (2014) a viagem no tempo é uma forma de solucionar o crime coletivo de motivação racista no passado.
Exemplos mais ligados à tecnologia são as séries New Earth (2011) e Travelers (2016), onde a devoção à ciência leva a humanidade à beira da destruição. Algo como o que aponta James Lovelock, na dimensão da degradação do espaço de vivência sobre a influência de bilhões de corpos imersos num sistema econômico de consumo e descarte incansável, e o entendimento tardio de que a renovação está aquém daquilo que é retirado. Em ambas as séries, não há a possibilidade de sobrevivência humana no contexto do futuro com substâncias tóxicas, ar poluído, chuvas ácidas, lixo, superpopulação e etc. Mas se essas características são apresentadas como resultado do uso das tecnologias de forma destrutiva, é também esse conhecimento que fornece a possibilidade das viagens no tempo. Aqui, o progresso tecnológico é redentor, permitindo a possibilidade de salvação buscada durante a narrativa.
Mas as viagens no tempo nas duas séries são diferentes. Em New Earth, a descoberta da viagem no tempo é acidental e rudimentar: uma fratura no continuum espaço-temporal permite enviar pessoas selecionadas (o corpo) à Terra pré-histórica de milhões de anos no passado. Já em Travelers, viaja-se ao passado por meio de uma fórmula quântica, e não o corpo, mas apenas a consciência que, no passado, fará uso do corpo de uma pessoa hospedeira.
Vamos focar um pouco mais em Travelers.
Travelers é uma série especulativa de ficção científica com viagens no tempo. Na premissa, está a tentativa de modificar eventos do início do século XXI que conduziram à destruição das condições de vida [subtemas-3, 4, 5, 6, 12]. Segundo os viajantes, os eventos que levam ao colapso foram iniciados logo após os acontecimentos do 11 de setembro e da queda de um asteroide portando elementos químicos raros que ocasionaram disputas.
Apesar de ser ambientada no presente, seus protagonistas, os últimos humanos sobreviventes, são de alguns séculos à frente e, através de uma tecnologia quântica, enviam suas consciências de volta no tempo [tema-1], ocupando corpos segundos antes da morte registrada.
Essas consciências, travelers, assumem a vida social de seus hospedeiros enquanto agem em equipes de cinco indivíduos, seguindo seis protocolos de sobrevivência [subtema-9] e as instruções do “Grande Plano” coordenado pela inteligência artificial: “Diretor”. O Diretor monitora a linha do tempo [subtema-11] analisando probabilidades e determinar missões enviadas pela Deep Web, ou por meio de mensageiros, aos travelers que devem cumprir minuciosamente, para que a interferência na linha do tempo seja apenas a desejada.
Aqui há um ponto, o Diretor, criado por programadores, após ativado tem uma ação independente. É uma inteligência artificial com elemento regulador, pontuando relações dos indivíduos humanos com inteligências extracorpo, isso porque, para além da relação de afeto criadores/criatura, há uma personificação com sapiência, onisciência, eternidade e onipresença, visto que a AI conhece todo o passado, pode agir em todos os lugares onde haja tecnologia e sua energia é abastecida dos geradores que levaram milhões de anos para findarem-se.
Mas uma segunda faceta a ser observada é a característica quase religiosa, quando um dos travelers menciona que “um deus que foi construído”. O deus de Travelers (2016) é quântico, possuindo características de imanência, transcendência, onipresença e eternidade. Essas características permitem que ele tente “salvar” o futuro, mas também tornam possível que, por exemplo, possa abater pessoas por meio do envio de um sinal quântico extremo para o passado, alcançado por meio da localização exata dos hospedeiros pelos telefones inteligentes e GPS. Outros pontos assombram os travelers frente a ação do Diretor, como vírus e a própria evolução da consciência, colocando aqui uma questão de rebeldia ou devoção como única esperança.
Outro elemento de Travelers é a finitude e eternidade, representada pela possibilidade de prolongamento da vida no futuro (indesejado) ou finitude, representada pela irreversibilidade da transferência de consciências. As consciências podem passar de corpos em corpos no futuro [subtema-10], mas não no passado, quando a recuperação dos corpos conta com ampla utilização de nanotecnologia [subtema-16]. A passagem de um corpo para outro é descrita por um dos agentes viajantes que, por inúmeras vezes, viu seu corpo velho “paralisado como se cada vez ficasse um pouco de mim naqueles corpos” [subtema-17].
Um último ponto a ser abordado é a questão do peso da história na memória humana através dos tempos, quando um dos personagens, que desenvolve a função de historiador, carrega datas de morte, prêmios de loteria e a sapiência sobre eventos catastróficos que ainda acontecerão sem que tenha permissão para agir. A concepção de temporalidade descrita pela série é a do tempo histórico, de uma linha no qual o indivíduo desliza constituindo os futuros possíveis, mas aqui há a possibilidade de modificar, ao lidarem com as eventualidades, procurando interromper acontecimentos e gerar uma outra história do futuro.
Livro: Imagens-espectro de futuridade no Amplo Presente
E-mail: angelacoradini@gmail.com