Fantasmas do Futuro – Máquina de Futuros
Fantasmas do Futuro é uma coluna sobre filmes e séries que nos lançam aos universos criados pela ficção científica/especulativa de futuros. Aqui, vamos abordar obras (ou lista de obras) produzidas no contemporâneo que transitam entre vários temas que assombram nossos amanhãs. A coluna é baseada no livro Imagens-espectro de futuridades no Amplo Presente, lançado pela Edufmt, em 2020. O livro e a coluna são de Ângela Coradini, editora na Ruído Manifesto.
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01 – Máquina de futuros
fu·tu·ro
1ª pess. sing. pres. ind. de futurar [futurus]
substantivo masculino
1. O tempo que há de vir.
2. O porvir.
3. Destino.
4. O resto da vida.
5. Vindouros.
6. Noivo.
7. [Gramática] Tempo verbal que indica ação futura.
adjetivo
8. Que há de ser.
(Priberam)
Antes de começarmos a abordar tantos filmes e séries, vamos falar um pouquinho do que se trata essa coluna. Tudo isso começou há uns anos atrás com uma pergunta boba: qual é o seu fantasma do futuro? Na época 112 obras audiovisuais (e elas são muito mais numerosas atualmente) foram catalogadas, assistidas, descritas e revistas formando um tipo estranho de curadoria para uma espécie de Museu de Futuros.
E museu e fantasmas parecem formas entranhas de se falar de futuro, certo? Mas em se tratando de museu, o que são essas imagens desastrosas e apocalípticas senão um pedacinho daquilo que um ficcionista extrapolou a partir de uma porção de ideias vigentes naquele intervalo de tempo em que sua imaginação vagava pelo presente tentando entreter o público com uma prospectiva de futuro?
Bem, a dupla limitação temporal da vida (nascimento e morte) sempre mobilizou em duas direções: cruzar o limite do nascimento e conhecer o passado, e buscar técnicas de extensão da vida e conhecer a futuridade. Nesse sentido, a prospecção do amanhã sempre foi uma constante antropológica inalienável e, ao longo dos tempos, “adivinhar o futuro” passou de uma função da religião e do misticismo para o território da ciência. A literatura e o audiovisual pularam de cabeça nesse impulso e, apesar de saber que o “há de vir” é esse espaço sempre a fugir no instante seguinte, a narrativa e a técnica sempre se empenharam em construir esses universos distantes. Mas talvez essas imagens sejam possibilidades, mesmo irrisórias, de viver e sobreviver aos mundos futuros, uma vontade de saciar um dos grandes desejos que, subterraneamente, consome os indivíduos: o desejo de eternidade.
Nesse sentido, filmes e séries são máquinas de expressar anseios e medos vigentes no espectro social e no imaginário individual, estejam eles em que tempo for. Mas o impulso criativo da “ficção científica” (antes mesmo de ter seu termo cunhado em 1929, por Hugo Gernsback) fincou suas garras na produção audiovisual. Se a “Fantasia é o impossível tornado provável. Ficção científica é o improvável tornado possível”, como genialmente definiu Rod Serling, criador da série Twilight Zone. E a cada dia nosso museu de futuros fica cada vez mais repleto de imagens vagando em nossas memórias e écrans.
E é bem aqui que entram os fantasmas. Tradicionalmente, fantasma é aquela imagem quimérica de imaginação exaltada, que pertence ao sonho ou à imaginação, algo que comumente assombra por pertencer ao passado. Uma imagem “já existida”, geralmente traumática, que deixa “(…) uma espécie de marca, um registro no tecido da realidade circundante”, como lembra Erick Felinto, em seu livro A imagem espectral (2008). Mas aqui, essas imagens do futuro criadas pelo audiovisual, são imagens “ainda não existidas”, quando ao serem localizadas como “futuridade”, portam um desvio temporal, não em relação ao passado, mas ao futuro, e, por trazerem “coisas” de um futuro ausente, contêm alguma carga com potencialidade traumática, versando sobre catástrofes, que, apesar de se realizar apenas na tela, têm sua iminência e possibilidades numa datação futura.
E para essa função de dar imagens ao futuro, a ficção audiovisual utiliza uma miscelânea de referências discursivas do presente e do passado que abordam diversas dimensões de crítica à teleologia do progresso moderno e os efeitos (esperados e não esperados) desse progresso: o incrível jogo em experiência e expectativa, temperado pela ficção. Críticas costuradas, hibridizadas e refeitas, segundo gêneros, tramas e públicos, falando (e trabalhando) sobre o futuro como um tipo de laboratório. Como bem disse Úrsula Le Guin, em A mão esquerda da escuridão (2014), o que fazem os ficcionistas assemelha-se ao que faz o cientista com seus ratos experimentais: “(…)extrapolação. Obras de ficção científica estritamente de extrapolação em geral chegam (…) em algum ponto entre a extinção gradual da liberdade humana e a extinção total da vida na Terra”.
Assim, durante os próximos meses, vamos abordar filmes e séries que exploram várias temáticas (sem nos apegar a gêneros cinematográficos) diferentes. Ao todo traremos 5 (cinco) grandes temas para organizar essas obras, dividimos em 18 subtemas.
Antes de finalizarmos, é importante dizer que essa curadoria de filmes e séries tem alguns parâmetros. Como se trata de uma coluna que aborda o “tempo contemporâneo”, só falaremos de obras: 1) produzidas a partir de 1980 (e se forem adaptações não podem ter sido escritas antes de 1980), tendo como referência a ideia de pós-moderno, no livro A condição Pós-moderna, de Jean-François Lyotard (1979). E 2) os enredos das obras devem estar ambientados em data cronológica posterior ao contemporâneo de sua realização, mesmo que sejam apenas dois anos ou mil anos. Sabemos que esse limiar de data exclui várias obras anteriores aos anos 1980 que já antecipavam várias narrativas, principalmente na produção de ficções distópicas e adaptações de obras de ficção científica literárias numerosas nos 1950 e 1960.
Enfim, além de muito blábláblá apocalíptico e fantasmagórico, e títulos de filmes e séries, por aqui, também, ao longo das semanas, vocês podem indicar filmes e séries que não estiverem nos textos (sim, e serão muitos). Então, na próxima postagem da coluna, começaremos pelo fim! Nosso primeiro tema será “As viagens no tempo”. Até lá.
Livro: Imagens-espectro de futuridades no Amplo Presente
E-mail: angelacoradini@gmail.com