Cinco poemas de Gabriel Bustilho
Gabriel Bustilho é poeta e está no fim da graduação em Letras pela UFRJ. Nasceu no Rio de Janeiro em 1997. Mora em Vista Alegre, bairro pacato e repleto de bares.
***
no vectra
dirigir
seguir dirigindo
é o que você quer o que você precisa
é seguir
dirigindo
porque você é obrigado a prestar atenção no trânsito
e não na sua vida porque sua vida depende do trânsito
e você não pode pensar na sua vida quando sua vida depende do trânsito
você poderia ter ido de ônibus e pensado na vida mas não aconteceria
porque você aceitou muito bem seus privilégios você tem uma carteira um carro
mesmo que da sua mãe
você tem uma mãe e agora tem também um pouco de fome
e está por mastigar os próprios dentes
rangendo
um contra o outro
roçando
porque você não pode comer agora e nem é por falta de grana
é que comer implica pensar na vida e você não pode pensar na vida você tem que dirigir e seguir
seu caminho
sem parar pra pensar sem ter que parar sem ter que pensar e seguir até que o combustível acabe a rodovia acabe suas pernas acabem e você tenha por fim um problema material
daqueles que te deixam puto
que te levam pro bar
e pedem por você uma Itaipava
você realmente poderia ter ido de ônibus
quem sabe lá você não encontrasse o amor da sua vida mas o amor da sua vida não vale o calor o tempo
o desconforto
você está muito bem com seus privilégios e não quer se perguntar existem finais felizes?
por que que diabos é um final afinal
você quer os problemas materiais
o boleto não pago o jogo do Vasco
a crise
mesmo que você não entenda muito de crise
só das suas você quer saber da crise
dos jornais do meme novo do William Bonner
de todas as coisas que te corroem de fora pra dentro
*
o mar
dirão então os decretos
que o sal cicatrize enfim as coisas belas
*
amor
de ti só quero o mínimo
o mimo da míngua
língua morta velando a palavra
*
seria mais fácil amar o abismo
porque você não toma refrigerante e frank o’hara jamais escreveria having a orange juice with you
porque é sobre ele que me debruço
é para ele que olho é ele que parece um poço em poços de caldas minas gerais
enquanto você é toda uma slackline esticada entre dois coqueiros
feito uma travessia tropical
é ele que não tem pontes
por ele não se atravessa
são dele as leis do acolhimento
seria mais fácil amar o abismo e não precisar dizer
*
disse o analista em processo de divórcio ao poeta em uma sessão de análise
pôr uma arma na língua e deslizar até a garganta disparar repetidamente
e esperar que alguma vez você não morra
é mais ou menos assim Gabriel
que funcionam alguns casais
você tenta milhões de vezes uma coisa que já deu errado
e está a esperar sempre que na próxima dê certo
porque a próxima vez é sempre a vez prometida é sempre a vez do acerto
é uma forma estranha de amar o erro
como toda forma de amar é estranha você não acha
porque amar é sempre amar como uma pedra
ama um sapato
como um cadarço ama um calçado como
uma espinha ama seu rosto antes de um encontro
muito importante
e por mais que você pense
em cancelar ou estourar
você não pode você sabe que vai dar errado
você começa então a ceder ao desejo de roubar a maquiagem da sua mãe mas você não sabe bem qual usar não sabe como usar e pedir ajuda a sua mãe seria muito seria demais
não vale tanto a espinha no rosto porque ela ama seu rosto
e você não pode acabar com o amor você não pode porque amar
é sempre como amar uma pedra
e você sabe como são as pedras
é mais ou menos assim Gabriel
que funcionam alguns casais as pedras o amor as análises