Três poemas de Henrique Duarte Neto
Henrique Duarte Neto nasceu em Taió, Santa Catarina, em 01 de novembro de 1972. Residiu em Florianópolis por 12 anos, onde fez graduação em Filosofia, mestrado e doutorado em Literatura, todos pela UFSC. Já escreveu cinco livros de crítica literária, sobre poetas como Augusto dos Anjos, José Paulo Paes, Ferreira Gullar, Roberto Piva, Claudio Willer e Ricardo Lima. Dentre suas maiores realizações está a publicação do ensaio “Obscuro visionário”, escrito em homenagem aos 100 anos da morte de Augusto dos Anjos e feito para edição da Revista de História da Biblioteca Nacional em 2014. No campo da poesia já lançou dois livros, Errante (2014) e Musas seguidas de poemas filosóficos (2019), deste último tendo saído os três poemas desta publicação. Por outro lado, já está no prelo seu terceiro livro de poemas, agora só de prosa poética: Provocações 26. Uma característica central de sua poesia é a de que realiza um diálogo com o passado, quer com as estéticas vanguardistas, quer com as neoclássicas, levando em conta também o pretérito no seu viés existencial, partindo da evocação de uma memória que, embora frágil e tênue, não se perdeu de todo.
***
Maria Rita
Não é fácil ser filha de Elis!
Não é fácil ser filha do Sol,
E ainda assim ter luz própria.
Alçaste voo solo, conseguindo
Encantar os ouvintes da MPB.
Não é fácil ser filha de Elis!
Mas aguçaste a audição de todos
Com a tua pimenta, diversa
Daquela ofertada por tua mãe,
Elis Regina, a Pimentinha.
Não é fácil ser filha de Elis!
Mas os mais sensíveis concordarão,
Que a tua voz vai do acalanto
À emoção que vibra viva e plenamente,
Com a força do swing, e da tua
Presença – forte, delicada e fascinante.
*
Os relógios
O relógio me mostra o escoar do tempo,
Uma passagem, uma dinâmica, um fluir incessante.
Mostra-me o ser? Mostra-me alguma permanência?
O tempo enterra primeiro o viço, a juventude.
Depois as ilusões que passaram pela peneira anterior.
Por fim, as crenças arraigadas e sólidas.
O pensamento escamoteia esse fluir incessante,
Com idealizações, paixões e novos deuses,
Mas estes também não resistem, são efêmeros.
A desilusão fundamental orquestrada pelo tempo
Representa o câncer do real, cujos símbolos são os relógios,
Estes relógios que trazemos incrustados no mais íntimo de
[nós!
*
Letargia
Entre a ação, a práxis, o engajamento,
Prefiro um voltar para dentro de mim mesmo,
Para minha luta interior, em busca de uma paz
Que os conflitos externos só adiarão.
Não busco utopias, ilusões ou crenças,
Meu coração está vazio, mas bate compassado,
Num conhecido ritmo que me acalma e regozija.
Se hoje é tempo de partidos, tempo de homens partidos,
Ignoro a razão ou causa de tantas pessoas
Digladiarem-se na ribalta política e social.
Sou talvez um extemporâneo e esta ideia me conforta.
Quem sabe a letargia seja minha única companheira,
Visto que tudo o que é humano me aborrece
E abster-me parece ser meu caminho natural.