Jornalistas no Eldorado: balbúrdia, disciplina e liberdade – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora”, Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Jornalistas no Eldorado: balbúrdia, disciplina e liberdade
(Keka Werneck, 2020, 15’04”)
O curta documental produzido por Keka Werneck e Priscila Mendes, fruto de um coletivo de mulheres, apresenta vários paradoxos. Nada mais natural quando se adentra o universo feminino, afinal, paradoxos são constantes na vida de todas as mulheres. A produção trata de temas pesados com leveza, apresenta personagens fortes com sutileza e traduz com simplicidade a complexidade de ser jornalista mulher no Mato Grosso da década de 1970.
Através de três mulheres pioneiras, que se tornaram ícones do jornalismo mato-grossense, o documentário revela a história, bastante desconhecida, deste fazer predominantemente masculino. A primeira personagem entrevistada é Vitória Basaia, conhecida artista plástica da capital, que foi fundamental para o desenvolvimento dos cadernos culturais locais. Na sequência vemos Laura Lucena, mineira de nascimento, que assim como Vitória (carioca) veio em busca do “Eldorado”, maneira como vendiam Mato Grosso para o restante do Brasil na época. Entretanto, como diz Vitória num chiste, quando chegaram aqui, já tinham roubado todo o ouro do “Eldorado”. A terceira personagem é a cuiabana de “Tchapa e cruz” Sônia Zaramella, que se formou em Brasília e foi a primeira mulher correspondente de grandes jornais por aqui.
Como disse anteriormente, apesar de tratar de um tema denso, como o desbravamento deste campo de atuação pelas mulheres, a condução do filme possui um embalo feminino, como um colo gostoso de mãe ou o abraço de uma amiga, provocando assim reflexões profundas, sem, no entanto, serem carregadas de furor ou raiva. É como se a direção dissesse ao espectador: “Veja essas mulheres precursoras. Elas abriram o caminho pelo qual ainda estamos passando. ”
O embalo da trilha, composta apenas por música instrumental, juntamente com a narração de Dayanne Dallicani, colabora para esta sensação de aconchego. Enquanto a fotografia revela nas sutilezas dos planos detalhes, de Bruna Maciel e Jessica Melo, uma poesia visual, que escreve, nas entrelinhas do audiovisual, a grandeza do feminino em tudo que se propõe a fazer.
Diante destas três perspectivas e fazendo um paralelo com o momento atual, o sentimento que fica é de esperança. Pois elas atravessaram dias tortuosos, mas conseguiram superar, com feminilidade, as diversas barreiras impostas a tod@s as almas femininas.