Laís Maíra Ferreira entrevista Eliana Alves Cruz
Laís Maíra Ferreira é Doutoranda e mestra em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Eliana Alves Cruz é carioca, graduada em Comunicação Social pela Faculdade da Cidade e pós-graduada em Comunicação Empresarial pela Universidade Cândido Mendes. Estreou na literatura com o romance Água de Barrela, baseado na trajetória da sua família desde o século XIX, na África. Foi a vencedora da primeira edição do Prêmio Literário Oliveira Silveira, oferecido pela Fundação Cultural Palmares em 2015. Também é autora de O crime do cais do Valongo (2018) e Nada digo de ti que em ti não veja (2020).
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Laís Maíra Ferreira (LMF): Além do trabalho de escritora, você também continua exercendo o trabalho de jornalista?
Eliana Alves Cruz (EAC): Sim. Sou colunista do UOL Esportes e faço inúmeros trabalhos free-lance.
LMF: O que a motivou a escrever O crime do Cais do Valongo?
EAC: Um sentimento de deserto sobre histórias na nossa literatura que falassem das pessoas que aqui chegaram escravizadas numa perspectiva humana. O clima rarefeito nas livrarias para esta narrativa e o total apagamento da importância do Cais do Valongo na história da escravidão negra afro-atlântica. Foi o porto que recebeu o maior número de sequestrados, logo, isto faz dele um lugar vital para entendimento do Brasil.
LMF: Por que escrever sobre a diáspora?
EAC: A pergunta deveria ser: Por que não escrever sobre a diáspora? Pois é isto o que viemos fazendo ao longo dos 520 anos de Brasil, ou seja, optamos como nação em não falar desta dispersão, da reconstrução de culturas nestas terras estrangeiras e das potencialidades que emergiram dela.
LMF: Muana, Bernardo Lourenço e Nuno são personagens reais?
EAC: Não e sim. Não, pois não são personagens históricos como o intendente Paulo Fernandes Vianna ou a cantora lírica Lapinha. Sim, porque possuem verossimilhança, são personagens que poderiam ter existido facilmente já que foram criados pegando exemplos de fatos ocorridos com muitas pessoas ao longo da nossa história.
LMF: Na nota de apresentação de A noite dos cristais, Luís Fulano de Tal (1999) fala sobre a dificuldade de publicação. A obra foi escrita em 1994 e somente em 1999 teve uma edição profissional. Você acredita que autores negros ainda encontram essa dificuldade?
EAC: Escrever e publicar no Brasil não é fácil para ninguém, logo, é triplamente difícil para autores negros e negras por conta do racismo sistêmico. Ele, primeiro, nos tira o tempo para criar; em segundo lugar nos confina a guetos e monta armadilhas que aprisionam esta criação; e em terceiro estabelece como verdades mercadológicas premissas falsas, baseadas no que abri falando: racismo institucional.
LMF: Como é ser uma escritora negra no século XXI?
EAC: Não é diferente de em outras épocas no sentido de que é preciso lutar em muitas frentes, logo, é uma sobrecarga exaustiva. No entanto, é também usufruir de espaços abertos por muita gente que veio antes e ter, finalmente, acesso menos árduo ao microfone. Voz nós sempre tivemos, o que nos faltava era amplificação.
LMF: Os negros são constantemente representados em obras escritas por brancos. Como você vê essa representação?
EAC: Quase sempre estereotipada e colada a um imaginário colonizador.
LMF: Quais são as suas referências literárias? De alguma forma, elas ajudaram na construção da obra?
EAC: Considero esta pergunta sempre difícil. Tudo o que lemos um dia de alguma forma nos influencia, mesmo que seja para dizer como não fazer! Nestes romances de época sei que tem muito de Machado de Assis na forma irônica de alguns personagens e narradores e, no caso dos dois últimos, na cidade do Rio de Janeiro como um forte personagem da trama.
Creio que ter lido a saga toda “O tempo e o vento”, do gaúcho Érico Veríssimo, me instigou a procurar a saga de uma família negra no Brasil e, não achando, entender que eu tinha uma saga dentro de casa e que poderia escrevê-la.
Carolina Maria de Jesus por sua forma enxuta de dizer muita coisa e, principalmente, por escrever de forma incessante na mais absoluta adversidade. O poder de persistência dela é sempre um norte para jamais desistir.
Conceição Evaristo pela prosa poética maravilhosa. Nei Lopes, pelo conhecimento profundo da nossa ancestralidade. A americana Tony Morrisson, por contar da releitura da escravidão e suas sequelas… Enfim, muita gente.
Acredito firmemente que seguimos pela vida nos influenciando pelas leituras que ao longo dela vamos fazendo. Não é algo estanque. A beleza de tudo isso é que mais gente vai chegando e somando. A beleza é o movimento.