Linha Vermelha – Barra Funda – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Linha Vermelha – Barra Funda
Cinco horas da manhã, entro no metrô Barra Funda. O dia ainda não acordou, mas milhares de trabalhadores de cara amassada já transitam pelas estações. Vou ao centro de São Paulo resolver uma pendência na redação do jornal, assinar documentos no RH do novo benefício cedido pela empresa por causa da pandemia. Notícia razoavelmente boa para 2020. Aproveito para passar no banco, comprar lingerie, cápsulas da máquina de café, orar no Mosteiro São Bento, almoçar no Café Girondino com minha amiga Gisa. Desde fevereiro, não nos vemos, e há tanto o que dizer. Ela nem sabe de Quipa, das investidas no Scar Bar, do excesso de trabalho home office. Gisa também é jornalista, mas preferiu trabalhar na TV com música. Embora troque de parceiro frequentemente, cultiva uma vida amorosa hétero e estável, mãos dadas na rua, barzinho de casal, cineminha juntos, passeio no shopping. Quando a conheci na faculdade, fiquei louca nela, mas a moça só quis saber de amizade. Bela amiga!
Gosto de sair ainda noite de casa, se deixo para à tarde, já era. Enrolo no texto, na pesquisa do artigo, na comida do gato, no molhar das plantas, enfim, o dia passa e a logística complica. Agora, é preciso dizer, o metrô não é mais o mesmo, agora o fluxo é menor. Há bancos para sentar, um funcionário higieniza a estrutura interna dos vagões. Toda a gente usa máscara e alguns usam luvas. Fiquei em pé ao lado da porta, numa posição que me trazia mais segura e foi ali, que numa parada, um homem alto moreno de olhos grandes entrou e me chamou atenção. A máscara e luvas azuis mostravam contraste interessante. Nos encaramos no mesmo instante e me mantive fixa nele, enquanto o homem averiguava meu corpo. Sentia-me tocada nos seios, na cintura, e, sem pudor, nas coxas. Aquilo foi louco, pois mesmo com a distância de mais de metro excitei-me ao ponto de querer afastar as pernas para sentir o surgimento do líquido da boceta. Não sei explicar com detalhes, mas ele me dominava no olhar, em pequenos gestos com a face. Eram comandos simples, mas certeiros, como levantar o queixo ao mesmo tempo que encarava a barra da saia, indicando para afastar mais as pernas e deixar as coxas mais amostra. Não resisti e entrei no jogo do desconhecido, acredita? E não apenas isso, alisei a parte interna das pernas de um jeito que ele deu o primeiro passo na minha direção. Nós e o metrô avançamos e foi só chegar na próxima parada que eu avancei no corredor do vagão e ele se posicionou nas minhas costas. Grudado.
Os passageiros se posicionaram ao redor com suas correrias, preocupações, e a gente com nosso desejo de transar ali mesmo, entre as cadeiras e o centro do vagão. O primeiro toque do desconhecido foi nos meus cotovelos, levando-me a levantar os braços e segurar no mastro para manter o equilíbrio em movimento. O corpo agora todo disponível para ele manipular. Não demorou e ele enfiou a cara no meu pescoço, entre o ombro e o rosto, roçando a máscara nos meus cabelos e pele. O aroma do desconhecido era forte e eu me arrepiei dos pés a cabeça e num comando instintivo, empinei a bunda para senti-lo. Ele veio com tudo e juntou o corpo dele com o meu, passou o braço na minha cintura e trouxe as minhas nádegas para frente do pau. Senti que ele me comeria ali mesmo. Esfregou o pau em mim e depois me disse ao ouvido: Desce na próxima estação. Desci. O desconhecido não soltava a minha cintura e dali, na plataforma, puxou -me pelas escadas para sair do metrô. Entramos num estacionamento de carros. Já não tinha ideia do que fazia. Era obedecer apenas o desejo. Dar para um estranho em pleno estacionamento do metrô. Enfim, o homem colocou a mão no bolso do sobretudo e destravou um Sintra prata. Entramos no banco de trás do carro e transamos ali. Foi muito louco, já que, mesmo muito excitada e descontrolada, não consegui gozar rápido como acontece na maioria das minhas investidas insanas por São Paulo. Cheguei ao orgasmo apenas quando ele me chupou, depois de gozar nas minhas coxas. Pelo menos foi sensível e cumpriu a parte que lhe cabia. Seja como for, foi gostoso. Muito gostoso, mas nada fabuloso, que me fizesse pedir para retirar a máscara ou fizesse perguntar o nome. Mais uma foda louca, apenas uma foda! No outro segundo, já queria me livrar dele, por isso peguei na minha bolsa o celular e avisei do meu atraso. O desconhecido fez o mesmo e se recompôs em segundos abrindo a porta do carro e me deixando livre para retomar minha viagem. Voltei às pressas ao metrô. Na redação, fui ao banheiro antes de entrar na sala do RH. Limpei minha roupa, me maquiei, penteei o cabelo. Saí de lá renovada. Passei a manhã na paz. Relaxada e me senti muito feliz quando ao meio-dia encontrei Gisa no Café Girondino. Ela, linda, linda, como sempre. Seria um momento inesquecível para conversar, estreitar nossa amizade, se não fosse por um detalhe. Seu namorado de quase seis meses viria almoçar conosco. Chato! Queria estar sozinha com Gisa, falar de Quipa, de algumas loucuras sexuais, não todas, que talvez ela não fosse entender, mas aquelas que iriam tirar boas gargalhadas de Gisa. mas Ok, iria ter que dividir Gisa com o carinha. Nisso, o garçom trouxe o cardápio e enquanto escolhia o prato, imaginei qual seria a reação de Gisa se soubesse minha aventura cedo no metrô. Certinha do jeito que é, provavelmente me acharia louca. E foi assim, que vi o cara do sexo casual do metrô, de sobretudo preto e máscara azul, entrar pela porta do Café Girondino.Tomei maior susto, ainda mais por ele vir na minha direção. Insano. Levantei `as pressas da cadeira para perguntar o motivo de me perseguir até ali, quando escutei Gisa dizer: Ué, vocês dois se conhecem?
(Ilustração de capa: Sexo no metrô, de Fernanda Bienhachewski).