Três poemas de Misuzu Kaneko traduzidos do japonês por Lúcia Hiratsuka
Misuzu Kaneko (1903-1930) nasceu na cidade de Senzaki, província de Yamaguchi, uma região tradicional em pesca. Os poemas Misuzu falam sobre a infância e o afeto pelos elementos da natureza. A poeta faleceu aos 26 anos. Misuzu teve alguns dos seus poemas selecionados por revistas voltadas ao público infantil, por volta dos 23 anos. Em 1982, o crítico Setsuo Yazaki recuperou três cadernos manuscritos contendo um total de 512 poemas inéditos. Esses, publicados em 1984, tornaram-se conhecidos e apreciados por leitores de várias idades.
Lúcia Hiratsuka (1960) nasceu no sítio Asahi (Duartina, SP), onde rabiscou sonhos e ouviu histórias da sua avó japonesa. Entre seus diversos livros, podemos citar: Corrida dos caracóis, Os livros de Sayuri, Orie, As cores dos pássaros, O caminhão, Chão de Peixes, Momotaro, Histórias guardadas pelo rio, entre outros. Recebeu importantes prêmios como o JABUTI – ilustração 2006 e 2012, Melhor para criança FNLIJ 2015. Em 2018, o livro Chão de Peixes recebeu o selo Distinção Cátedra Unesco de Leitura- PUC-Rio, Prêmio Fundação Biblioteca Nacional- Literatura Infantil e o Prêmio FNLIJ 2018 – Poesia.
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Hora dos vaga-lumes
Agora é hora
dos vaga-lumes.
Iremos tecendo
em palhas de trigos
os cestos pequeninos.
Tece e tece,
anoitece o caminho,
por ele seguimos?
Capins molhados,
caminho de orvalhos,
com os pés descalços,
prosseguimos?
*
abelha e deus
a abelha dentro da flor
a flor dentro do jardim
o jardim dentro do muro
o muro dentro da cidade
a cidade dentro do país
o país dentro do mundo
o mundo dentro de *deus
e então então
deus dentro da abelhinha
* no original, deus está como kami. Segundo o Xintoísmo, que está na base de toda a cultura japonesa, em todos os elementos da natureza habita um kami, uma divindade.
*
O sono do barco
O barco chegou da ilha, cansado,
os braços do mar são gentis na areia,
balança, balança, durma tranquilo.
Chegou de longe, por mar arredio,
cheio de peixes, pleno de coragem,
por ora, barquinho, durma tranquilo.
Os homens da ilha logo retornam,
comprando sacos pesados de arroz,
carregando imensos maços de verde.
Barquinho da ilha distante, por ora,
no acalanto das ondas tão gentis,
balança, balança, durma tranquilo.