Luciene – Por Aline Wendpap
Luciene
(Direção: Juliana Curvo. Documentário. Brasil, 2020, 73”)
Por: Aline Wendpap
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Um filme é uma obra artística, assim como um livro ou uma peça de teatro. E, como o livro é um tanto quanto fechado à interatividade, ou a possíveis interferências depois de pronto e apresentado ao público. Diferentemente da peça de teatro, que a cada nova apresentação pode ir “incorporando” os “cacos” provenientes da interação e interatividade com o público. Sendo assim, os caminhos escolhidos e as decisões tomadas nem sempre podem ser revistos.
Juliana Curvo escolheu o caminho da sinceridade, da exposição nua e crua de uma rusga surgida ao longo do processo de construção do documentário. Encaro isso como coragem. Ou teria sido Luciene, a documentada, quem escolheu esse caminho, já que ela afirma categoricamente, na primeira cena: “Cuidado! Você sabe que eu escolho caminhos! ” A dúvida pode ser sanada pelo leitor ao se tornar espectador e assistir ao filme, o qual já digo de antemão, vale muito a pena.
Ver o documentário vale a pena não apenas porque este foi o grande campeão do 20º Cinemato – Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá. Mas principalmente, por se tratar de algo inusitado, pois como pontua Luiz Fernando Vieira, editor do caderno Vida, do Jornal A Gazeta, em sua matéria do dia 17 de agosto de 2021, “O filme investe em outras estratégias políticas de abordagem, onde a direção se transforma em uma espécie de “antagonismo”.
De início é leve, cheio de sorrisos e salamaleques. Mas, aos poucos seus contornos vão ficando cada vez mais pesados e densos. Entretanto, esse “peso” talvez seja o que impulsione o espectador a continuar vidrado no processo. Por exemplo, quando a equipe decide acordar Luciene e ela pede para desligar o microfone, sentimos a tensão no ar, e, para culminar Luciene solta: “Estresse grande esse negócio de cinema, né?!”.
Além da direção, os outros aspectos técnicos se permitem experimentar, o que torna possível entregar ao público, coisas como: uma fotografia dinâmica, fluída, bela, que tanto pode ser companheira, por estar de perto enxergando e compreendendo as imperfeições humanas, quanto pode ser o mundo exterior, que olha tudo em um sobrevoo de longe (como um drone), quando as coisas parecem mais bonitas, mas, em contrapartida menos profundas. Conduzida e assinada por Marcelo Biss é realizada à muitas mãos, inclusive a de Raul, companheiro e “muso” de Luciene.
Da mesma forma, o som feito por Andressa Clain e microfonado por Isabelle Almeida é autêntico, sutil e captador de nuances riquíssimas, como uma respiração mais profunda, que ajudam quem está vendo o filme a produzir os mais diversos sentidos.
Não poderia deixar de enfatizar o diálogo estabelecido com outras linguagens artísticas, principalmente a poesia e o teatro. Nesse sentido, me parece que, enquanto a poesia é o ego, ou seja, a realidade de Luciene, porque mantém seu equilíbrio, como visto na cena em que ela narra seu ganho de causa após escrever uma poesia; o teatro talvez simbolize o Id, que contém seus instintos, desejos e impulsos primitivos.
Porém apesar dessas nuances não vejo o filme como uma biografia, já que o contraponto de perspectivas entre Luciene e Juliana acaba “roubando a cena” e sendo maior do que a história de vida da poeta. Afinal, quem não conhece Luciene, não sabe de sua história, continua sem a conhecer em amplitude. Todavia, isso não diminui em nada a grandeza do filme, que por isso mesmo é inusitado, como disse no início.
Cada diálogo, ou melhor, cada cena é um oceano de possibilidades para discussões e aprofundamentos, durante os quais aprendemos com Luciene, com Juliana, com Caru (1ª Assistente de Direção, que entre em cena em momentos cruciais), com Marcelo e toda a equipe.