Três poemas de Lupita Amorim
Lupita Amorim, 21 anos. Graduanda em Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Representante de Estudantes Negras e Negros no Conselho de Política de Ações Afirmativas e integrante do Programa de Extensão: “Ação afirmativa no Ensino superior: articulações de vivências e saberes na UFMT” do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação- NEPRE/UFMT, sob coordenação da Professora Doutora Candida Soares da Costa.
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Criminosa no planeta terra
É como me sinto
Amar e ser julgada,
Desejar sem ser silenciada
Só poder sentir sem ser questionada.
Sentir carência é ser errada?
É difícil mas tem que haver um jeito
Pra eu respirar ou você também
Tirar esse nó do peito.
Sem temer ninguém.
Seria eu criminosa por me apaixonar?
Por um SER humano(?), alguém capaz de me amar?
Ou seria você um extraterrestre por me amar?
Eu, outro extraterrestre com tanto compartilhar.
O homem chegou até a lua
Mas pra chegar até mim tá difícil
Aterrissar, decolar, surfar naufragar,
Eis a questão, você decide, vem ou não?
Você vem ou eu vou? Quem é que vai lançar voo?
No meu planeta ou no seu?
sete dias, quinze, ou será pra sempre meu?
Quem vai colocar essa roupa espacial?
Para ir no meu espaço astral, flutuar no espaço sideral?
Independente dessa nave flutuando ao breu
O que está em desenvolvimento aqui
É se você abre mão ou eu
Quem vai se emancipar para fazer descobertas?
Viajar para Marte, buscar a lua, ou só ficar na terra
Vendo enquanto a nave inimiga me intercepta.
Nossa conexão tem sido telepática, empática,
Mas, quando vamos para a prática?
Ao nos tocarmos quem será contaminado?
No fruto dos meus beijos, amaldiçoado.
Calado, extasiado, ofegante ou infimamente tocado?
Extraterrestre? Extraterreno? Alienígena? Forasteiro?
Quero mesmo que te entregues a mim de corpo inteiro.
Quer me conhecer ou eu quero você?
Depois de descobrir a lua qual o próximo passo?
Qual a rota dessa viagem espacial?
O ônibus quem te traz ou te leva a outra parada?
Seria eu a ir até você sem medo de ser largada?
Querer desbravar o espaço contigo é fissurar
Querer mudar a sociedade é fantasiar
Somos nós presos no espaço tempo que não evoluiu?
Ainda há tempo para ver se tudo ruiu.
Flutuar no vácuo do espaço para estar com você
Não me assusta, me faz querer
Pra fugir dessa realidade
Quero levantar voo,
aterrissar,
aterrorizar,
pousar,
decolar,
Sobrevoar,
Mas até quando serei eu a sair para te alcançar?
Não me deixe aqui!
Nessa área que me reservaram pra te encontrar
Quero um canto só nosso,
nem que seja numa constelação,
Num cometa em circulação,
Um asteroide em degradação.
Mas algo meu e seu, sem olhos e ouvidos
Só nossos lábios é quem falarão.
Podemos fugir, ninguém terá acesso,
Nenhum humanoide ou observadores.
Você comanda a nave, eu pego no volante,
Seria perigoso, eu seguraria firme, sem medo.
Sobreviveríamos, você, eu e nossos beijos.
Escolha: espaçonave ou astronave?
Somos criminosos por buscar a descoberta
Novas luas jamais exploradas
Um templo onde seriamos imagens sagradas.
Nossa espécie nos caçando,
Sou criminosa do planeta terra
Você o extraterrestre nessa guerra
Prendam-me!
Eu quero uma viagem só de ida
Não tem amor pra mim, nessa terra!
*
as três da madruga
eu estou presa
na incerteza se um dia terei certeza
vamos lá vou começar a rimar
um cara me chamou pra sair
disse que a gente ia se divertir
mas nem mesmo deu a hora
e ele já ligou cancelando
dizendo: gozei antes da hora
continuei presa no meio de um monte de sensação
achei que agora ia
que esse cara me compreendia
mas fazer o que
se o tesão na quarentena preenchia a cabeça vazia
quem dera preenchesse só a minha
mas era 3 da madruga
teve a audácia de me chamar numa live
pendido que eu ficasse nua
diz que tava chapado
doido de vontade pra fazer
encontrou a cadelinha no cio
pensou agora vou meter
e ia
acreditei no que ele falava
mas na minha mente outra coisa esperava
não ia só deixar ele meter
queria algo mais
aquilo que uma mina como eu pudesse merecer
pobre menina com a mente nua
nunca teve o afeto de ninguém
e acreditou no tesão de um cara otário
as 3 da madruga
*
lembrar do passado nem sempre deveria ser dolorido
lembranças boas não deveriam estar misturada com as ruins
mentir pra si, acreditar que foi de um jeito que não aconteceu
parece que só eu sei como foi,
de fato, como eu conto, só é do que eu vivi, senti
superar as coisas ruins mesmo após visitá-las
esquecer dos seus múltiplos toques indesejados
das chegadas sem convites, da pressão indevida
uma, duas, três vezes não o satisfazia,
superar as suas brincadeiras, aquela de casinha
do colinho e dá voltinha, era só uma brincadeirinha?
brincava e ria de lá, chorava e sofria daqui, exausta implorava por misericórdia
hoje, no presente as memórias do passado são confusas
umas mais duras, outras menos destrutivas
mas sempre má lembranças, memórias e narrativas
hoje, no presente escolho o futuro
criar memórias que sejam boas, nítidas e descritivas
que a dúvida não martirize se não misture com as más
ao acessar no futuro as memórias do presente
terei acesso aos registros feitos por mim
ainda do que vivi, senti e construí
as fotos, vídeos, poesias e falas
na mente, no hd e no coração
as coisas precisam ser diferentes
a superação vem das que tiveram a chance
reescrever seu futuro acessando seu passado
não vivendo através dele, mas construindo em cima
o que lá atrás aconteceu e mexe com as memórias do hoje
vai ficar lá, com aqueles que são quebrados
escolheram ou não, de ontem pra hoje o passado não será o agora
eu e quem é digna terão acesso aos fatos
contados por mim
sobrevivência de quem persiste e não desistiu
os registros de hoje vão moldar positivamente o amanhã
como deveria ser.
Khayo jardim ribeiro
Incrível a seNsibilidade da lupita. A vontade de consumiR novas PUBLICAÇÕES como essa só aUmentou.
ZIZELE FERREIRA
É interessante que alguns membros da Ruído Manifesto tenha optado pelo convite à poesia e para que a sociedade leia poesias como a de Lupita Amorim, Terezinha Malaquias , Sol, Cristiane Sobral, Carolina Braga Ferreira e outras pretas artistas. Tais obras, estranhamente, nos convidam ao incômodo muito bem servido, não pela falta de produção de alimento artístico por parte de pessoas africanas em diáspora, mas pela ausência desse banquete à mesa. Normalizamos “dar voz” como um jeitinho racista de hierarquizar as vozes que nunca se calaram. Basta, para tanto, ouvir um ponto da macumba, uma reza cantada, um conto bem dito por volta do anoitecer pelas nossas mais velhas. Ao persistirem em nos trazer poesia e trazer poetisas pretas que conhecemos e desconhecemos, a página nos coloca diante do incômodo, mas oferta uma cadeira na qual, confortavelmente, nos ajeitamos e, se brincar, passamos longos 30 minutos (em meio a correria atual, me parece ser incrível usar para ler poemas). A poesia de Lupita possui elementos autobiográficos escancarados. Era urgente nos lermos, nos ouvirmos, identificarmos lugares de fala que enriquecem diferentes riquezas formais na obra artística. Venho nesta página em tardes quentes ouvir poemas que falam de dengo preto INCRUSTADO em palavras de amor, espera, luta, denúncia e coragem. Sem dúvida, tais artistas nos chamam, de modo aberto, para uma revolução das artes, pois a tal neutralidade não existe. Nossos corpos não são neutros. Que haja tinta para desarrumar a mesa. Que haja escuta para as rajadas potentes que são essas poetisas e aquelas que estão por vir. Perdoem-me pelo extenso comentário, mas como publicou aqui a Luana Soares “Meu coração é rendeira que borda” e me incomoda não dizer o quanto sou grata pelas poesias e pelas vidas das pretas artistas, das mulheres artistas.
Maria Antonia Caitano
Neste TRANSCEDENTALISMO CARACTERIZADO é óbvio que há amor para você neste PLANETA nesta terra. ESTÁS AQUI COM OS PÉS FIXOS E NÃO FLUTUANDO VOCÊ É REAL E NÃO IMAGINÁRIO. PARABÉNS PELO POEMA. Maravilhoso!
Abayomi Jamila
Que felicidade a minha te ler, Lupita! Intimidade exposta de maneira rasgada e VÍSCERAL.