“Maestrina da Favela” (2018) – Por Wuldson Marcelo
Maestrina da Favela. Direção: Falani Afrika. País de Origem: Brasil/ Estados Unidos, 2018.
Se Richard Linklater levou 12 anos para entregar o longa-metragem ficcional Boyhood: Da Infância à Juventude (2014), em um processo que acompanhou o crescimento do jovem ator Ellar Coltrane, no filme documentário esse recurso não é tão inusitado. Homem Comum (2015), de Carlos Nader, segue por 20 anos a trajetória do caminhoneiro Nilson de Paula. Já o premiado cineasta russo Nikita Mikhalkov conta a história da União Soviética, de 1979 a 1991, por intermédio da filha em Anna dos 6 aos 18 (1994). É esse mesmo trabalho do tempo que move Maestrina da Favela (2018), da estadunidense Falani Afrika, que acompanha a vida de Elem Silva, de 2007 a 2017, dos 13 aos 23 anos.
O sonho de Elem, a de reger uma banda de percussionistas, impulsiona um olhar que consegue ser existencial e social ao mesmo tempo. Dois fatores são reveladores desse propósito (ou do percurso que toma o documentário): os efeitos da MAV, malformação arteriovenosa, que a protagonista descobre no início de sua vida adulta, que a levou a sofrer dois derrames e a passar por uma embolização. Elem narra como o seu cérebro foi afetado, com perda da memória e esquecimento do conjunto de toques para produzir o ritmo, sendo lembrada pelos seus alunos. É uma passagem pungente, tão aflitiva quanto à informação de que cinco dos jovens, que em uma fase de suas vidas foram membros da banda da maestrina, encontraram morte violenta.
É a luta de Elem Silva, de uma criança altruísta e persistente à uma mulher determinada e generosa, que serve de caixa de ressonância para o que significa viver na Vila Nova Esperança, conhecida como Rocinha, no Centro Histórico de Salvador, na Bahia. A amplitude desse sonho alcança as periferias do Brasil, já que fala de racismo estrutural e das condições sociais e econômicas de comunidades deixadas à própria sorte, abandonadas pelo poder público ou submetidas ao jogo político e à corrupção de quem deveria trabalhar ao seu favor.
A Banda Meninos da Rocinha do Pelô acaba por representar um país que não se percebe, prefere não se enxergar. E essa invisibilidade é combatida pelos sons produzidos com os instrumentos de percussão. Ritmos para despertar e mobilizar. Em certo sentido, a determinação de Elem Silva caminha lado a lado com um substantivo traduzido geralmente como algo nocivo: a obsessão. É preciso transformar um desejo em ideia fixa para não desistir diante dos percalços, reveses e tristezas. Entendemos o que impulsiona Elem ao nos depararmos com uma realidade de miséria e violência e ao conhecermos um pouco de Dona Nilzete, que vendeu o seu bar para investir no sonho da filha e faleceu antes de ver a Elem ser reconhecida. Um tipo de dedicação que gera firmeza e solidariedade.
Em seus 82 minutos, Maestrina da Favela também é um registro sobre a vida de mulheres negras, de mães, irmãs, maestrinas e pesquisadoras, sobre o que as instigam, suas idiossincrasias e os vínculos forjados.
Desse modo, o Pelourinho é o palco de Elem Silva, mas as suas aspirações traçam as conquistas e dificuldades de mulheres negras diante de seus desafios, da batalha por espaços, identidade e reconhecimento. Elem é autodidata e o documentário revela de modo satisfatório o seu aprendizado e conhecimento musical.
E como montagem é escolha, dois momentos da vida da maestrina, do coming of age tecido por Falani Afrika, são mostrados por suas consequências e não pela sua reação às crises quando elas ocorreram: a morte de Dona Nilzete e o AVC hemorrágico que acometeu a jovem. Se pode ser compreendido como uma ausência, por outro lado, autentica a dimensão humana do registro documental.
Emocionante e político, Maestrina da Favela ultrapassa as fronteiras do lugar que formou e estimula Elem, é uma história sobre nobreza e vocação, uma lufada de bons sentimentos em uma época de intransigência galopante.
* Melhor Filme da mostra segundo o Júri Popular (prêmio dividido com o documentário Cabelo Bom, de Swahili Vidal e Cláudia Alves).
** Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
Monica Silva
Boa noite.
Sou Mônica Silva, irmã da linda Maestrina, Elem Silva. Estou emocionada por ler as escritas sobre a minha irmã. Você conseguiu retratar anos da história dela, em algumas linhas. Parabéns.
Conheci poucas pessoas com a sua sensibilidade.