Manifesto Periférico – Kika Sena
Kika Sena é arte-educadora, diretora teatral, atriz, escritora poeta, pesquisadora da voz e da palavra em performance e performer alagoana licenciada em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília. Atualmente integra a Coletiva Teatral Es Tetetas, com sede localizada em Rio Branco – Acre.
***
nascimento
certa de si
em seu nascimento
a sereia só ria
fazendo a noite do céu preto estrelado
cair em gozo
*
batismo
a sereia sorriu ao invés de chorar
é filha de Iemanjá e Oxossi
oxe, nasceu bem nascida
e
pronto,
batizadíssima!
Carregada de proteção aí vai,
batendo sua calda pela lagoa man-
guaba:
turva
água suja que faz questão de nadar.
e que comece o samba!
*
alagoana
não fosse o sol
ainda assim seria preta
não fosse o café
ainda assim seria preta
a sua cor ainda seria preta
cá regada de graça
não fosse o tempo
exposta à exploração
ainda assim seria forte
não fosse o tempo
de gritos de dor
ainda assim seria bicha
não fosse a imensa falta de amor
ainda assim sereia seria:
uma linda bicha preta
carregada de graça.
*
do genocídio .1
como se eu fosse à forra
fato
manchete
como se à força
me fizessem fóssil
como se sempre
sob a terra incessante
me regassem:
sou:
rastro flor
da pele rubra
atada, muda
enterrada.
*
do genocídio .2
sou sopro perene que chama fácil:
vem… vem… vem…
me descobre sã
ontem choveu na minha pele seca
hoje sou terra morna
e chamo
vem… vem… vem…
apaga a chama
que me incendeia
que não sou chaga
sou terra sã
senhora senil de história
me descobre formosa e vê:
sou sua herança
escondida os ossos
e chamo
vem… vem… vem…