Meu quarto mal-assombrado
Logo cedo da manhã me contaram que o quarto onde moro – numa antiga casa fincada no ponto mais alto da universidade – é mal-assombrado. Dizem os outros moradores da casa que certa vez, um iraniano que habitou o quarto antes de mim, acreditava, insistentemente, que um reitor fantasma derrubava seus potes de shampoo do suporte na parede durante o banho. Arregalei minha curiosidade para a narrativa sobre o fantasma que acontecia na mesa do café da manhã e a parte factual da longa história daquela casa começou a colar os fragmentos.
Conta-se que um dos reitores da universidade faleceu em um dos quartos, fechado nos tempos atuais, exatamente embaixo do meu.
Com o tempo, a casa do reitor desprovida de sua função original, passou a receber pesquisadores-doutores do mundo todo que iam à região do Algarve estudar. Nos dias atuais, já com a pintura descascando, a casa geme a noite, canos tremulam, portas abrem sozinhas com o vento, a madeira estala… Nada fora do comum, pensei.
Mas as sensações dos moradores também são bagunçadas por um outro episódio que chamam de “a inundação”. Lembram que meu quarto, durante um longo período de chuvas, recebeu tanta água por conta de uma calha entupida que, inutilizável, decidiram por fechá-lo algum tempo: as enormes três janelas receberam cadeados dando espaço ao mofo e à poeira. Penso que o acontecimento deve ter agradado o fantasma do reitor que já não era mais importunado pelo barulho do caminhar dos intrusos e dos móveis no andar de cima. Mais tempo depois, o quarto foi reaberto, limpo e repintado para um recém chegado de muito longe.
Até onde eu me lembro da narrativa exaltada e risonha daquela manhã na mesa do café, o iraniano dos shampoos cadentes foi o primeiro a nesse quarto morar depois de reaberto… Recordo a primeira vez que adentrei o tal quarto: o vento cortando o umbral das três enormes janelas – eu nunca tinha estado num quarto tão grande! – Senti uma grande e súbita vontade de me deixar ficar por ali.
Hoje, quando meu shampoo caiu sozinho durante o banho da tarde, coloquei a mão na boca para tapar o riso iminente. Contei até três e pedi desculpas solenemente ao fantasma do reitor e prometi fazer menos barulho. Saí do banho andando nas pontas dos pés enquanto essa história ia ganhando um rascunho no papel e seu lugar eterno dentro de mim.