Mulheres na Literatura (Curadoria) – Sandra Modesto
Na coluna Mulheres na Literatura (Curadoria), programada sempre para o último domingo de cada mês, Vanessa Franco realiza uma seleção de textos de uma autora, sejam poemas, contos ou crônicas, para revelar a vastidão estilística e temática do mundo literário produzido por mulheres.
Sandra Modesto tem 60 anos.
Nasceu e mora em Ituiutaba, MG.
Graduada em Letras, pós-graduada em Educação, professora aposentada. Autora dos livros Tudo em mim é prosa e
rima (Editora Autografia) e Acenda a Luz (Editora Kazuá).
Textos incluídos em cinco antologias:
Antologia Elas e as letras – Diversidade e resistência, Editora Versejar, 2019.
Antologia Ruínas – Editora Patuá, 2020.
Antologia Parem as máquinas – Selo Off Flip, 2020
Antologia Prêmio Selo Off Flip, 2021
Antologia Corvo Literário, 2021.
Publicações em revistas digitais e impressa: LITERALIVRE, Araras, Torquato, Trajanos.
Philos: Digital e impressa
É membro do coletivo Mulherio das Letras, nacional.
Cronista do site Crônica do Dia.
Escritora no site CORVO LITERÁRIO
Considera-se uma aprendiz da vida.
***
O MENINO
O menino fez aniversário
Antes de um feriado
Há vinte e sete anos…
Depois de raios de sol
Romper
Certa manhã
A mãe do menino viu o menino pela primeira vez
O menino NEGRO.
Foi chamado de pagodeiro pelo obstetra.
O menino não ouviu o adjetivo
A mãe entendeu a ligação.
História. Oh, a história.
Numa terça- feira de 2019
A mãe presenteou o menino
Ele pediu um pandeiro.
O menino, o amor, a mãe, o olhar.
*
RESTOS DE MIM
O que restou de mim
Senão o sol tardio da manhã namorando meu corpo nu exposto no meu colchão descobrindo minhas costas largas
entre a cama e a janela queimando minhas pernas quando eu viro de lado
O que restou de mim
Senão um banho ardente no curto espaço do lavabo e o escovar dos dentes ainda meus
E o hidratante espalhado na minha pele molhada.
O que restou de mim
Além do café descendo a garganta e o sabor da erva doce do bolo de fubá
ciumento pelo meu degustar frenético do pão de queijo corriqueiro da vida
O que restou de mim
Senão a estranheza dessa vida nova e velha. Vela e sopro
Diante da minha imagem no espelho pequeno que mal cabe algumas estranhezas
Recordo-me. Eu roqueira eu a moça que um dia gozou.
O que restou de mim senão o amor à dor o marasmo o silêncio as lágrimas invisíveis
No imenso circuito depois do nada
Para emoldurar meu resto
*
A DOR DA GENTE
Um nó no peito em dó maior.
Depois os exames. Não tem mais jeito.
Cenário inesperado…
O sono profundo que enterra. Encerra.
Não há despedidas. Solidão.
Desnorteada. Sem velórios.
Dor de verdade não cabe num noticiário.
Não cabem nos jornais, os choros, gritos, a soma certa.
A estrada infinita do estranho mundo.
Valas. Não há vagas. Há marcas. Rimas perdidas.
Tudo vai passar? A dor de toda a gente, não.
O governo. O desmazelo com o povo.
Nada. O povo é nada.
A dor do mundo não cabe numa poesia.
E daí?
Daí o espasmo.
Nos próximos domingos
E todos os dias…
Quantas mães mortas?
Quantas mães arrumando o quarto…
Do filho que já morreu.
Tudo isso eu rasgo em lágrimas.
Eu vou silenciar o presidente.
Deixar de seguir o presidente.
Bloquear o presidente.
E daí? Eu me entrego ao acalanto de um amor:
– Mãe, perdão. Ele não sabe nada de dor. A gente sabe.
Sandra Modesto
Obrigada pelo espaço. Muito grata pela publicação dos meus textos. Vocês são foda!